Dédale

Curadoria

Gaudêncio Fidelis

04.jun

06.set.09

O contexto

As obras cinemáticas do artista e cineasta Pierre Coulibeuf (Elbeuf, França, 1949) buscam promover uma discussão crítica acerca dos métodos produtivos do cinema ao localizar o local de experimentação como existindo nos limites do filme e das artes visuais. Seu objetivo é desafiar as convenções culturais com relação à gramática cinemática, questionar os mecanismos de representação e assinalar novas possibilidades para a discussão do conceito de realidade. Coulibeuf utiliza a criação artística como material para suas obras, que já tiveram como centro o universo criativo dos artistas Marina Abramovic, Michelangelo Pistoletto, Jean-Marc Bustamante, Jan Fabre, Meg Stuart e Pierre Klossowski, entre outros. Seus filmes podem ser enquadrados no gênero de ficção experimental, embora evitem a todo custo uma denominação específica.

A instalação

Dédale é uma filme-instalação inspirada no universo artístico e criativo de Iberê Camargo (1914-1994). A obra de Iberê aparece aqui como um “núcleo em expansão”, proporcionando dimensão conceitual ao filme através de uma oscilação entre a luz (do prédio de Siza) e a escuridão (das pinturas de Camargo). A terminologia filme-instalação indica, nesse caso, a origem das fontes e a investigação dos meios, ainda que utilizando recursos técnicos de projeção de vídeo para materialização da obra. Realizada a partir do filme em 35mm com o mesmo título, ambos comissionados e produzidos pela Fundação Iberê Camargo, Dédale é uma construção circular e descentrada, na qual o prédio representa uma mise en abyme, uma reflexão infinita para dentro de si mesma.

As imagens

As fotografias integrantes da instalação são derivadas de duas fontes do negativo do filme disparos de câmera e as sobras de cópia, portanto não utilizadas em sua edição final, possibilitando assim a construção de sequências originais. Nesse sentido, a conjunção de imagens em movimento e fotografias quebra a continuidade narrativa, gerando uma transformação da matéria inicial da obra (o filme como evento cinemático) e de nossa percepção da imagem em movimento dentro de sua dimensão espacial e temporal.

Labirintos

Labirintos representam metaforicamente caminhos de aprendizado. Ao percorrer um labirinto, no processo de busca de uma saída, o indivíduo deve fazer múltiplas escolhas, o que requer tanto intuição e interpretação quanto cuidadoso julgamento. Essas escolhas representam, em última análise, aquelas que definirão seu próprio “destino”.

Museografia, pintura e cinema

A exposição com as obras de Iberê Camargo que é vista no filme é uma exposição ficcional e foi concebida pela curadoria, juntamente com o artista, exclusivamente para a filmagem de Dédale. Estruturada em uma perspectiva cinemática, com obras da Fundação e diversas coleções do país, ela se situa entre o fato e a ficção. Sua existência no filme coloca em xeque a própria crença na ilusão cinemática.

A obra

O caráter ficcional de Dédale evoca a figura mitológica de Dédalo e seu labirinto, feito para aprisionar o Minotauro. A forma singular, labiríntica, do prédio de Álvaro Siza é utilizada por Coulibeuf para construir a estrutura cinemática de Dédale. Ariadne e Teseu, dois dos personagens da lenda grega, são evocados pelos dois performers do filme. Eles podem ser pensados como figuras que colocam em movimento a energia geradora da obra. A figura feminina no filme, como Ariadne, guia-nos e perde-nos na estrutura labiríntica do filme. Ela é o duplo da personagem feminina que aos poucos se vêem atraídas pelas pinturas exibidas no museu. Há dois universos interligados no filme: aquele do casal de personagens, vivido na vida real, e aquele de Ariadne, que pertence ao universo mental. Esse artifício cinemático é desenvolvido na obra em dois tempos que interferem um no outro. O fio de Ariadne, a continuidade cinemática, é um engano que se intensifica não só pelo próprio caráter labiríntico do próprio cinema, mas também pelo filme-labirinto criado por Coulibeuf. Dédale é uma estrutura móvel, com uma série de vazios que permitem ao espectador produzir projeções mentais capazes de preenchê-los, criando diferente versões da história.

Gaudêncio Fidelis

 

Imagem: Vista parcial da exposição “Dédale”, que esteve em cartaz na Fundação Iberê Camargo de 04 de junho a 06 de setembro de 2009. Foto © Fabio Del Re_VivaFoto

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