Tomie Ohtake – pinturas cegas
Curadoria
Paulo Herkenhoff
15.jun
12.ago.12
Existe uma região no campo visual do disco óptico no qual a visão entra em colapso, o ponto cego – punctum caecum – chamado escotoma fisiológico. Nos anos 60, Tomie Ohtake confrontou sua pintura com questões óticas e oftalmológicas para explorar o estatuto do saber pictórico ao vedar os olhos para pintar: ajustar seu olhar ao ponto cego e a partir dele se engajar na experiência pictórica. A essas obras denominamos, conforme o testemunho da artista, de “pinturas cegas”, feitas sob um estado de não ver.
O crítico Mário Pedrosa e artistas como Willys de Castro e Mira Schendel interessaram-se por essa experiência de Ohtake, que resultou em uma série formada por um corpus estimado em pouco mais de trinta telas, uma singularidade na história da arte brasileira. No final da década de 1950, Pedrosa retorna do Japão depois de uma pesquisa em história da arte, com bolsa da Unesco, para formar um diálogo com a produção ocidental. Passa a reivindicar que os artistas brasileiros dessem atenção a aspectos da cultura japonesa: a caligrafia, a pintura sumi-ê, a arquitetura, o espírito zen, entre outros.
Em sua obra, contudo, Ohtake não reduz sua pincelada à relação formal com a pincelada de escritura ideogramática. Ela estabelece relações entre valores e procedimentos zens e a concepção do signo pictórico em seu processo de constituição de linguagem. Por sugestão de Pedrosa, Ohtake lia então o filósofo Merleau-Ponty, a cuja fenomenologia a arte brasileira muito deve. As vendas nos olhos tinham o sentido de realizar uma ação pictórica no limite da percepção. O pincel não buscava demarcar território ou produzir qualquer figuração. Tratava-se do puro fenômeno da passagem do tempo no processo zen através do ato de pintar. A pintura de Ohtake nos submete a um paradoxo poético, é simultaneamente produção de linguagem e de conhecimento, experiência do não saber e da intuição.
Paulo Herkenhoff
Imagem: A artista Tomie Ohtake na abertura da exposição “Tomie Ohtake – pinturas cegas”, que esteve em cartaz na Fundação Iberê Camargo de 15 de junho a 12 de agosto de 2012. Foto © Mathias Cramer