Depois do fim
Curadoria
Bernardo José de Souza
18.maio
17.set.17
Em meio ao desastre político, econômico e ambiental a impactar a humanidade nesta quadra sombria do século XXI, a Fundação Iberê Camargo retoma suas atividades preocupada com o futuro. A suposta plasticidade atribuída ao homem, à natureza e ao sistema capitalista parece se haver esgotado, esgarçado, encontrado um limite real, em que pese a virtualidade dos fatores a complexificar uma equação que sequer as ciências nos dão margem para resolver. Nesse conturbado contexto, a perspectiva do fim vem ganhando contornos diversos nos mais variados horizontes, quer remotos ou imediatos; e na esteira de uma série de especulações quanto aos rumos da própria Fundação, do Brasil e do mundo, torna-se imperativo articular possíveis respostas ao conjunto de dilemas experimentados pela humanidade em face a um cenário de matizes obscurantistas e tintas apocalípticas.
Partindo de um universo ficcional, que lança o público em uma viagem no tempo, Depois do fim busca explorar a relação ambivalente que estabelecemos com o passado, o presente e o futuro. Ora, se a contemporaneidade está permanentemente a instar a revisão do passado (sobretudo política), ao passo em que nos demanda divisar possíveis futuros para humanidade (uma questão de sobrevivência), o que dizer de nossa relação com um presente de pós-verdade? Vivemos em um tempo que se apresenta fracionado, nebuloso, insondável – em meio ao que Giorgio Agamben chama de “escuridão do presente” –, mas que, contudo, carrega em si a potência de um futuro possível, latente, ainda que disforme.
Nesse sentido, a ficção científica a inspirar esta mostra serve como plataforma plástica e discursiva para que uma série de debates e investigações estéticas, políticas e filosóficas ganhem corpo, problematizando nossa relação com o futuro e estimulando o uso da imaginação e da fantasia como antídotos ao estado de paralisia e conformidade que parece decretar o fim dos tempos e de toda forma de utopia – após a queda do muro de Berlim (1989), o consequente abandono de qualquer perspectiva de transformação do mundo acabou por ceder espaço à conformidade mórbida que hoje alimenta as correntes (e perversas) posturas fatalistas e apocalípticas.
Em Depois do fim, a Fundação Iberê Camargo transforma-se em um espaço ficcional, uma cápsula do tempo na qual são conservados diversos elementos constitutivos da memória afetiva, simbólica e material do homem – um edifício projetado para preservar a espécie humana dos riscos representados pela natureza num estágio avançado do Antropoceno. Nessa zona heterotópica, que obedece a uma lógica própria, interna e fechada – portanto descolada da realidade exterior –, uma seleção de objetos e obras de arte constituem um arco temporal que ora remete ao passado, ora sinaliza um futuro tão distópico quanto revelador dos dramas experimentados no presente.
O público da Fundação Iberê Camargo é convidado a desempenhar o papel de exploradores do futuro, seres de uma civilização vindoura que lá aportam e deparam com os vestígios e ruínas de nosso tempo. Nesse sentido, a obra de Álvaro Siza, refratária ao mundo exterior, é um elemento central nessa exposição, que deve seu nexo e razão de existir justamente à articulação entre natureza, homem e arquitetura.
Depois do fim é um projeto que responde, em caráter emergencial, ao senso de urgência que emana das sociedades contemporâneas diante da absoluta precariedade moral, afetiva, política e material a marcar nosso tempo e nossas vidas.
Bernardo José de Souza
Imagem: Vista parcial da exposição “Depois do fim”, que esteve em cartaz na Fundação Iberê Camargo de 18 de maio a 17 de setembro 2017. Foto © Nilton Santolin