Na obra de Iberê Camargo, uma estética como qualidade aderida a “uma experiência”, num sentido fenomenológico que impregna de sentidos e textura a percepção, é um traço estrutural da obra e do indivíduo e correlativa a uma lírica existencial, da expressividade do “eu”, que a singulariza. É igualmente decisivo para situar Iberê Camargo uma genealogia da pintura que se constitui a partir da obra, posta no vértice, como reconstrução ficcional da memória cultural e da tradição erudita da arte, por meio de suas afinidades eletivas, que se traduz na busca aventurosa de um indivíduo que se reconhece moderno lato sensu (suas primeiras paisagens impressionistas com uma vigorosa gestualidade já o demonstram), mas precisa refazer o percurso na experiência para se assenhorar dessa identidade. É preciso esse périplo, com seus percalços e descaminhos, um certo gosto de epopéia, para quem evoca uma tradição remota (do ‘velho mundo’) e suas ficções de origem.  

Ecoando Joyce, em Retrato do Artista quando Jovem, quer se distanciar do pequeno mundo, lançar-se à experiência aprendendo “o que o coração é, e o que sente”. Como esse brinda a vida ao ir “ao encontro pela milionésima vez da realidade da experiência”, reinventando a partir de si mesmo o caminho moderno. Iberê tampouco se prende às identificações locais; se lança ao risco da descoberta, a lugares distantes, e reverbera esse mesmo desafio vivendo uma experiência singular, num tempo privilegiado de invenção e descoberta (as vanguardas da primeira metade do séc. XX) como aventura poética da linguagem. Aqui a experiência decantada na linguagem é idioma pictórico, numa gestualidade arrebatada que reedita na tela (ação concreta no mundo) sua busca existencial.

Virginia H. A. Aita

Imagem: Vista parcial da exposição “Iberê Camargo: uma experiência da pintura”, que esteve em cartaz na Fundação Iberê Camargo de 11 de setembro a 29 de novembro de 2009. Foto © Mathias Cramer