Regina Silveira – Mil e um dias e outros enigmas
Curadoria
José Roca
16.mar
29.maio.11
Regina Silveira (Porto Alegre, Brasil, 1939) é uma das artistas mais importantes da sua geração na América Latina. Silveira deixa sua cidade natal em 1967 para empreender uma longa viagem formativa e profissional antes de estabelecer-se definitivamente em São Paulo, onde reside desde 1973. Mil e um dias e outros enigmas é a primeira mostra abrangente de seu trabalho, em Porto Alegre, e a segunda exposição de caráter retrospectivo que realiza no Brasil.
Há mais de quatro décadas, Regina realiza uma pesquisa sobre as formas como a realidade é representada, os dispositivos com que se representa, e as intenções que motivam a vontade de representar. Para ela a perspectiva pode ser entendida como um olhar filosófico sobre mundo das aparências, que serve para indagar sobre o reconhecimento das coisas que nos rodeiam. Em consequência, em lugar de aproveitar a capacidade que têm os sistemas de projeção de prover uma representação “correta” da realidade, Silveira opta por tornar visíveis as contingências e inexatidões inerentes a essas ferramentas, brinca com os processos e altera os resultados. Silveira utiliza frequentemente a anamorfose, método de deformação geométrica que produz imagens enigmáticas e estranhas; em muitas ocasiões faz desaparecer o referente, rompendo a relação que existe entre um objeto e sua sombra e convidando o espectador a imaginar o deduzir o objeto ausente a partir de seu rasto distorcido.
O trabalho de Regina Silveira baseia-se em demonstrar a impossibilidade de exatidão em toda tentativa de representar a realidade. Uma vez aceita essa condição, a representação segue um caminho próprio, liberada do imperativo de fidelidade e precisão. A pretensão de exatidão nos sistemas de projeção usados por desenhistas, artistas e arquitetos desde o Renascimento entra em crise ao constatar que há uma margem de erro implícita em toda projeção geométrica, chamada aberrações marginais. Em seus desenhos preparatórios Regina mostra como a perspectiva é uma ferramenta suscetível de ser manipulada, e como o erro pode ser visto como uma condição positiva, rompendo assim muitas das verdades que assumimos como certas quando nos enfrentamos à realidade e seu reflexo. Silveira quebra a relação direta que existe entre um objeto e sua sombra, relação indissolúvel no mundo real, mas fonte de liberdade criativa no mundo da representação.
A obra de Regina Silveira indaga sobre a realidade e a sua representação a partir da arte, por meio de paradoxos visuais que fisgam o espectador e propõem-lhe uma reflexão mais profunda sobre questões existenciais. Muitos dos seus trabalhos desestabilizam a percepção meramente óptica e incitam uma verdadeira experiência corporal. Através de jogos visuais, estratégias conceituais e reflexões poéticas sobre a tecnologia, Silveira conseguiu consolidar uma obra sedutora e enigmática, que nos faz inquirir sobre o mundo, sua essência e suas aparências.
José Roca
Imagem: Vista parcial da exposição “Regina Silveira – Mil e um dias e outros enigmas”, que esteve em cartaz na Fundação Iberê Camargo de 16 de março a 29 de maio de 2011. Foto © Fabio Del Re_VivaFoto