José Antônio da Silva, artista do interior paulista redescoberto numa onda de arte naïf, primitiva, outsider e visionária, ganha exposição na Fundação Iberê

29.jul.25

“José Antônio da Silva: Pintar o Brasil” conta com telas que incluem plantações de café e algodão paulistas, queimadas na mata, os rebanhos sob tempestade, alegorias religiosas e naturezas-mortas, apresentando um amplo panorama de sua vasta em chave surrealista. Mostra inaugura no dia 9 de agosto

Depois de passar pelo Musée de Grenoble, como parte da Temporada Brasil–França 2025, a Fundação Iberê apresenta uma exposição monográfica dedicada a José Antônio da Silva (1909–1996). Com curadoria de Gabriel Pérez-Barreiro, a mostra reúne 44 obras provenientes de coleções públicas e privadas brasileiras, lançando luz sobre a trajetória singular de um dos nomes mais contundentes da arte brasileira do século 20.

Autodidata, Silva foi um pintor extremamente prolífico, que pintou mais de cinco mil telas ao longo de aproximadamente cinco décadas. A exposição é organizada por temas, cobrindo as suas preocupações principais: vida caipira, cenas religiosas, paisagens, naturezas-mortas e autorretratos. Embora alguns tópicos caracterizem certas fases de sua vida, outros assuntos foram desenvolvidos por Silva durante um longo período. Como explicou o próprio artista em seus versos: “Pinto a lavoura/ Também pinto as pastarias/ Pinto a empregada e a patroa/ Pinto a Joana e a Maria/ Pinto carroça e carreta/ Pinto carro e carretão/ Pinto o pedreiro na picareta/ Pinto o colono no enxadão” (Sou pintor, sou poeta, de 1982).

“Silva produziu uma obra alegre e provocadora. Ele foi capaz de traduzir, em suas pinturas, a vida social e religiosa intensa de sua comunidade, enquanto criava composições visuais que transbordam energia e inventividade. Acidentalmente, talvez, ele tenha criado, entre as artes popular e erudita, um terceiro espaço que continua particularmente relevante hoje”, destaca o curador.

Inspirado por Vincent van Gogh, e muitas vezes sendo considerado o “van Gogh brasileiro”, Gabriel Pérez-Barreiro diz: “A comparação com van Gogh é interessante, pois ele também ficou fora do mainstream, tratado como louco por muitos em sua época. Há certas semelhanças no uso vívido e dinâmico da pintura para representar o mundo ao redor deles, sem mencionar seu interesse pela vida cotidiana do campo e dos trabalhadores. Mas eles diferem em grande medida na abordagem do retrato: enquanto van Gogh estava interessado na personalidade de seus modelos e se esforçava em captar suas identidades únicas, Silva esquematizava as figuras (a não ser em seus numerosos autorretratos), esboçava as formas humanas vistas quase sempre de longe. […] Van Gogh nunca se permitiu esse grau de abstração, escolhendo concentrar-se nos traços individuais e na dignidade de cada pessoa.”

“A obra de José Antônio da Silva, de grande complexidade, é testemunha do processo de modernização vivido pelo Brasil ao longo do Século 20, tanto em termos econômicos e sociais quanto em termos artísticos. O principal tema do artista é o mundo rural e seu cotidiano. Seu olhar, contudo, não é contemplativo ou estático: pelo contrário, suas pinturas são caracterizadas por intenso dinamismo, e todo o seu universo parece estar em constante trânsito: boiadas passam, florestas são derrubadas, campos de cultivo são abertos, se diversificam, urubus espreitam a tudo e todos, personagens realizam ações aparentemente banais em um mundo de grandes turbulências, com olhares à espreita e paisagens em constante transformação. A mostra, agora apresentada na Fundação Iberê, consiste, portanto, em um olhar privilegiado para um artista que reúne o melhor da modernidade brasileira, dialogando com a tradição e apontando importantes caminhos contemporâneos”, diz Emilio Kalil, diretor-superintendente da Fundação Iberê.

A exposição José Antônio da Silva – Pintar o Brasil tem o patrocínio da Petrobras e Banco do Brasil, com apoio institucional do Museu de Grenoble, e realização da Fundação Iberê, Ministério da Cultura e Governo Federal.

Da lavoura à Bienal de Veneza

Filho de lavradores de cafezais do interior de São Paulo, José Antonio da Silva desempenhou diversos ofícios ligados ao trabalho rural, até mudar-se para São José do Rio Preto, onde trabalhou como porteiro em hotéis e outros estabelecimentos. O ciclo do café trouxera a proliferação dos núcleos populacionais no interior do estado, bem como maximização dos centros urbanos, ferrovias e indústrias, que se mesclaram ao mundo rural das economias do algodão, da pecuária e da cana-de-açúcar.

Nos anos 1940, suas pinturas já sinalizam as mudanças do tecido social nessa região. As paisagens, muitas vezes, incluem figuras de trabalhadores liberais, colonos, fazendeiros e lavradores – seja em cenas de descanso, lazer ou trabalho.

Em 1946, ele se informa sobre um concurso de pintura que inauguraria a Casa de Cultura de São José do Rio Preto. Sem dinheiro para comprar telas, pintou seus primeiros três trabalhos sobre flanela. As obras foram enviadas para a mostra e chamaram atenção do júri, composto pelos críticos Lourival Gomes Machado e Paulo Mendes de Almeida e pelo filósofo João Cruz Costa – todos ligados ao modernismo paulista. Apesar do júri ter indicado Silva para receber o primeiro lugar do concurso, a comissão organizadora anulou a decisão e o relegou ao quarto lugar.

Em 1948, Lourival Gomes Machado, Paulo Mendes de Almeida e João Cruz Costa, enfim, realizaram a primeira exposição individual de Silva na Galeria Domus. O sucesso foi grande e todas as obras foram vendidas. Somente Pietro Maria Bardi, fundador e diretor do MASP, adquiriu dez quadros.

Desde então, José Antonio Silva passou a ser reconhecido como um dos maiores pintores primitivos, designação que ele mesmo usava, aceitando-se, um pouco, como o artista que o meio queria ver.

Ele participou da primeira edição da Bienal de São Paulo em 1951, bem como em 1953, 1955, 1961, 1963, 1965 e 1989. Seu trabalho também representou a participação oficial do Brasil na Bienal de Veneza em 1952 e 1966. Nos EUA, expôs no Carnegie Institute, Pittsburgh, em 1955, e, doze anos depois, na exposição “Pintores e Escultores Populares do Brasil”, em Washington, D.C.

De um dia para o outro, Silva tornou-se uma sensação midiática, que escreveu livros, poesias, músicas e uma peça de teatro. Ele também é retratado no curta-metragem produzido por Carlos Augusto Calil intitulado “Quem Não Conhece o Silva?”, narrando seus feitos ao longo da vida.

SERVIÇO
Exposição “José Antônio da Silva: Pintar o Brasil”
Curadoria: Gabriel Pérez-Barreiro
Abertura: 9 de agosto | Sábado | 14h
Visitação: até 2 de novembro | Quinta a domingo | 14h às 18h (última entrada)
Fundação Iberê: Avenida Padre Cacique, 2000 – Cristal