Seminário na Fundação Iberê discute as implicações do avanço do rio Guaíba sobre Porto Alegre  

18.nov.24

Evento, que dialoga com a exposição Iberê Camargo – Território das Águas, terá como palestrantes Arnoldo Doberstein, Paulo Gomes e Rualdo Menegat

 

Neste sábado (23), a Fundação Iberê promove o seminário Iberê Camargo – Território das Águas. O evento acompanha o propósito curatorial da exposição de mesmo título, buscando ampliar a reflexão sobre a importância das águas do Guaíba que envolvem Porto Alegre desde sua formação. O seminário ocorre às 16h, no auditório, com entrada gratuita. As inscrições devem ser feitas pelo site da Fundação Iberê.

Na admiração das águas da Rua da Margem, da beira do Mercado Público e da praia de Ipanema, Iberê Camargo encontrou inspiração nos primeiros anos de sua formação artística. Ainda sob o impacto da maior enchente de Porto Alegre, os palestrantes convidados Arnoldo Doberstein, Paulo Gomes e Rualdo Menegat trazem sua colaboração para a compreensão da história das águas na cidade e as implicações dos avanços sobre seu leito.

Arnoldo Doberstein, que desenvolve pesquisa em História da Arte e Cultura Artística, é autor do livro referencial “Porto Alegre 1900-1920: Estatuária e Ideologia”. No seminário, ele falará sobre o Chafariz do Imperador, primeiro monumento de Porto Alegre, instalado em 1866, na Praça da Matriz, com atenção à escultura que simboliza o Guaíba e que está presente na atual exposição.

O panorama artístico, com os nomes de maior destaque do período em que Iberê Camargo chegou a Porto Alegre, será abordado pelo historiador e crítico de arte Paulo Gomes, que desenvolve pesquisa sobre a arte produzida no Rio Grande do Sul.

E o geólogo Rualdo Menegat, coordenador do premiado Atlas Ambiental de Porto Alegre, discorrerá sobre os mecanismos ambientais e paisagísticos que moldam nossa cultura.

110 anos de Iberê Camargo

Ainda no sábado (23), às 14h, a Fundação Iberê abre a exposição Iberê 110 Anos – Minha Restinga Sêca. Organizada por Gustavo Possamai, responsável pelo acervo do artista, com apoio da Prefeitura de Restinga Sêca, a mostra traz um recorte de obras que fazem referência à sua cidade natal, como Crepúsculo da Restinga Sêca, As idiotas, Tudo te é falso e inútil, Ciclistas e Núcleo, além de desenhos, objetos, manuscritos e fotografias.

Iberê Camargo nasceu no dia 18 de novembro de 1914, em Restinga Sêca, cidade localizada na região central do Rio Grande do Sul. Filho dos funcionários da Viação Férrea, Adelino Alves de Camargo (agente ferroviário) e Doralice Bassani de Camargo (telegrafista), o pintor teve naquela paisagem de desolação um exercício do olhar e princípios morais que nortearam seu pensamento.

Restinga Sêca não passava de um vilarejo, onde o tempo para o pequeno Iberê passava debaixo da mesa da cozinha da casa da família desenhando. “Meus pais eram funcionários modestos, agentes ferroviários, que não se empenharam em ser promovidos porque se afeiçoaram ao lugar, às pessoas, e não queriam sair. Faziam de tudo para não ser removidos. Para que um ferroviário naquela ocasião tivesse um melhor posto, era preciso que fosse para uma estação mais importante. Mas, como já estavam velhos, tinham seus amigos e estavam acostumados com aquele vazio da campanha, preferiam ficar, prejudicando muito a aposentadoria”, disse o artista em entrevista ao cineasta Joel Pizzini.

Com aproximadamente 5 ou 6 anos, Iberê Camargo mudou de cidade. Mas as lembranças, a paisagem e a estação ferroviária da cidade natal ficaram impressas de um modo indelével em sua trajetória: “Nunca fui lúdico na minha vida, nem quando criança. Sempre fui só. Não sou uma pessoa de muito chão, de muita caminhada. Conheço esses lugares que cito. Então, a gente faz um resumo e cria uma paisagem interior, que é a do ambiente onde a gente nasceu. É preciso saber que a experiência de engolir o primeiro gole de ar e ver a primeira luz do sol é muito importante. Isso marca.”

Para o crítico francês Jacques Leenhardt, membro do Conselho Curatorial da Fundação Iberê entre 2010 e 2014, “entra-se na obra de Iberê Camargo tendo a cronologia como guia. A relação com o passado, como um mundo feliz e desaparecido, dá sua nota de melancolia a uma das buscas pictóricas mais consequentes e solitárias da pintura brasileira dos últimos cinquenta anos. Sem dúvida, a terra da infância, aquela região que envolve Restinga Sêca onde Iberê nasceu em 1914 é uma terra dura de onde o pintor descreverá em vários comentários o aspecto desértico e abandonado. Entretanto, nessas lembranças pessoais, ela guarda o calor do espaço familiar: a casa e a estação férrea onde trabalhava seu pai. Sublinhando a importância do céu e do horizonte, essa paisagem de solidão é marcada igualmente pelas linhas formadas pelos trilhos perdendo-se na distância e pelos fios do telégrafo onde trabalhava sua mãe. Um mundo isolado e voltado para dentro, mas ao mesmo tempo ligado a outros mundos por essas linhas de fuga que os desenhos de Iberê não cessarão nunca de reproduzir”.

“Iberê sempre evocou as suas raízes e o seu chão como mitos fundadores de sua obra. Nas visitas a Restinga Sêca, já adulto, costumava pedir que tocassem o sino da estação ferroviária, onde nasceu, enquanto fechava os olhos, imerso nas memórias despertadas por aquele som.  Ele sempre acolheu o carinho da comunidade local, afirmando que não se deve negar o amor. É um pouco desse lugar de memória e afeto que esta exposição pretende revelar”, destaca Possamai.