250 anos de Porto Alegre – Obras de Iberê Camargo sobre a cidade que o acolheu ganham exposição a partir de 12 de março
Para celebrar os 250 anos da Capital gaúcha, a Fundação Iberê inaugura, no dia 12 de março, às 11 horas, a exposição “Iberê e Porto Alegre – No andar do tempo”. Serão apresentadas 38 obras do acervo, entre pinturas e desenhos, e propõe um passeio pelo olhar do artista por alguns locais significativos, como o rio Guaíba, a Cidade Baixa, a Catedral Metropolitana, a Praça da Matriz, a Ponte de Pedra, a Rua da Praia, a Usina do Gasômetro, o Parque da Redenção e o pôr do sol. Algumas delas serão expostas pela primeira vez no atual prédio da Fundação, que completa 14 anos no dia 30 de maio. A mostra integra o calendário oficial das comemorações do aniversário de Porto Alegre.
Nascido em Restinga Seca, 257km distantes de Porto Alegre, Iberê sempre teve laços muito fortes com a Capital, como descreveu, em julho de 1970, na carta de agradecimento à Câmara de Vereadores pelo título Cidadão de Porto Alegre: “Foi nesta cidade, na igreja do Menino Deus, que recebi o batismo e o nome. Meu pai, então agente da estação de Restinga Seca, minha terra natal, escolheu a capital do nosso querido Rio Grande, como primeiro marco da minha humanização (…) Gosto de perambular, sonhando, pelas tuas mais antigas ruas cheias de sol e poesia. Olaria, Varzinha, Arvoredo – Oh! a rua da Praia dos encontros e dos namoros! Praça da Alfândega, do Portão, da Matriz… são ilhas cheias de verde e de luz. Nomes que nasceram da poesia popular e foram guardados na boca do homem, no tempo que torna as coisas sagradas. Lugares cheios de histórias… História do povo… história de gente… História simples da vida, do dia a dia em que cada um é herói, sem o saber. O caminho, amigos, é o rasto do homem. E o rasto é a sua história. Na trilha das gerações plasmam-se o ontem e o hoje. Cidade de Porto Alegre, perto ou distante, vejo-te refletida no Guaíba que tem feição de mar, onde todas as tardes o sol se esvai num lençol de Sangue…”.
O professor da PUCRS e pesquisador das transformações da cidade, Charles Monteiro, foi convidado para contribuir com pequenos verbetes, contextualizando e trazendo à imaginação os ambientes da época.
Os laços de Iberê com Porto Alegre
A chegada
Em 1935, aos 22 anos de idade, Iberê Camargo mudou-se para Porto Alegre, como muitos jovens que saem do interior em busca de oportunidades na capital. Morando em uma pensão do centro da cidade, começou a trabalhar como desenhista técnico na Secretaria Estadual de Obras Públicas e a frequentar o Curso Técnico de Desenho de Arquitetura do Instituto de Belas Artes –, o qual abandonou após três anos para dedicar-se à arte – e onde conheceu Maria Coussirat Camargo.
O Guaíba
A sua relação com o rio, e quis o destino que a Fundação Iberê fosse projetada em frente ao Guaíba, o acompanhou desde a infância. O pai Adelino Alves de Camargo era agente da viação férrea, e, seguidamente, a família era transferida para outras localidades. A cada mudança, Iberê sempre perguntava à Doralice Bassani: “Mãe, tem rio?”
Presente em algumas de suas primeiras paisagens, Iberê dizia: “Eu acho que a gente deve viver como o rio, que se renova sempre. As águas do rio são sempre novas.” Hoje, Porto Alegre está redescobrindo e reinventando a sua identidade urbana em conexão com a orla do Guaíba.
A Cidade Baixa e a Redenção
Mesmo no período em que morou no Rio de Janeiro (1942-1982), Iberê manteve seu ateliê ativo na Cidade Baixa, bairro que viveu com Maria. Lá, produziu uma série de pinturas de paisagem às margens de um riacho que atravessa a parte baixa da cidade, realizados durante seu período de formação.
Ao retornar a Porto Alegre, em 1982, Iberê foi morar na rua Lopo Gonçalves, muito próximo ao Parque da Redenção, e, por isso, suas idas ao parque tornaram-se frequentes, tanto para a prática de caminhadas quanto para os passeios dominicais no Brique da Redenção, ao lado de sua companheira Maria. Dessas andanças no mais tradicional parque da cidade, Iberê passou a realizar esboços e desenhos de observação que captavam a vegetação retorcida ou os mais variados tipos de frequentadores, desde os que geraram sua emblemática série “Ciclistas” até famílias e pessoas em situação de rua, gerando um testemunho do obsessivo espírito de pesquisa do artista.
Andradas
Outro lugar muito frequentado por Iberê era a Rua dos Andradas, onde viu-se atraído pelos manequins expostos nas vitrines, ao ponto de torná-los um dos motivos centrais de sua última produção. Reduzidos ao plástico nu ou enfeitados de uma maneira que não deixa de ser grotesca, em seu retorno à figuração, os manequins de Iberê afastavam-se de qualquer busca de sedução do belo.
Ao final da vida, Iberê e Maria Coussirat Camargo se mudaram para o bairro Nonoai, na parte alta de Porto Alegre. O pôr do sol visto da janela de seu ateliê inspirava, por exemplo, o astro vermelho que se apresenta misteriosamente em um estudo e em um guache de sua fase final, e no alaranjado que inunda o fundo de sua última pintura, “Solidão”, realizada em 1994, ano do seu falecimento.
Eduardo Haesbaert e Gustavo Possamai, que organizaram a mostra, lembram que “em textos memorialísticos, Iberê mostra especial interesse pelas sangas, águas turvas e árvores retorcidas. São aspectos da paisagem que sempre o atraíram e que encontrará também em Porto Alegre”. É um pouco disso que se verá nas pinturas dos anos 1940, retratando o rio Guaíba e o antigo riacho da Cidade Baixa, e posteriormente a vegetação do Parque da Redenção.
É interessante lembrar que, desde que teve hérnia de disco, em 1959, Iberê foi obrigado a trabalhar dentro do ateliê e que só voltou a incluir a paisagem em suas pinturas após seu retorno a Porto Alegre, no início da década de 1980. É parte desse arco temporal que a exposição pretende apresentar.
“Iberê retratou uma determinada prática do espaço e uma cultura urbana, que se organizava ao redor de espaços do centro da cidade e arrabaldes próximos nos anos 1940. Uma forma de cultura pública, que englobava as elites e as camadas médias urbanas, que circulavam pelo centro da cidade no footing e nas compras nas lojas comerciais da Rua da Praia. Alguns artistas eram vistos nas esquinas, no meio do povo, no local onde estava concentrada a maioria das casas comerciais, das repartições públicas, dos bancos, dos escritórios, dos consultórios, das lojas comerciais, dos hotéis, dos cafés, dos restaurantes e até de algumas pequenas fábricas. O artista situa-se entre a pastoral da cidade moderna e o luto da velha cidade, que ia desaparecendo lentamente e cuja modernização se aceleraria muito na década de 1970, levando Porto Alegre a uma crise urbana e a necessidade de elaborar planos diretores e realizar cirurgias urbanas, que naqueles contextos fizeram aumentar a distância entre as elites e as classes populares, gerando segregação e desigualdades sociais na ocupação do espaço urbano”, diz Charles Monteiro, pesquisador da PUC e Pós-doutor em História Social e Cultural da Arte.