Iberê 110 Anos – Minha Restinga Sêca

Organização

Gustavo Possamai

23.nov

09.mar.25

Nascido em 18 de novembro de 1914, na estação ferroviária onde seus pais viviam e trabalhavam, Iberê Camargo passou a primeira infância em Restinga Sêca, no interior do Rio Grande do Sul. A paisagem desoladora da região foi decisiva para a formação do seu olhar e para a consolidação dos princípios morais que moldariam seu pensamento.

Naquela época, a vida social de Restinga Sêca girava em torno da chegada e partida dos trens, e os ferroviários, especialmente os agentes da estação — como os pais de Iberê —, eram figuras de destaque na comunidade.

Ao longo de sua vida, o artista sempre evocou suas raízes como elementos centrais de sua obra. “Se não fica na consciência, fica cá dentro plasmado. Para ligar-nos à terra para todo o sempre”, refletia. Seu retorno oficial à terra natal aconteceu em 1969, quando recebeu uma das primeiras homenagens da cidade. Ele convidou amigos para acompanhá-lo nesse retorno espiritual aos seus “lugares primeiros”, declarando: “É com profunda emoção que outra vez piso esta terra, onde respirei o primeiro sopro de ar e meus olhos viram o primeiro sol. Venho para tocar as coisas e abraçar os amigos que provam, neste encontro, que não se esqueceram de mim. Dou amor, recebo amor. Não conheço e não almejo melhor troca. Posso dizer agora: estou em casa, estou na minha casa, junto dos meus.”

A partir de então, Iberê passou a visitar a região regularmente, sempre acompanhado de sua esposa, Maria Coussirat Camargo, percorrendo o que chamava de “mapa da saudade”. Ele sempre acolheu o carinho da comunidade, afirmando que o amor nunca deve ser recusado.

Em um de seus primeiros autorretratos, criado em 1943, o artista divide o espaço com uma locomotiva. E em sua série derradeira, intitulada Tudo te é falso e inútil, realizada cinquenta anos depois, na qual recupera signos do seu passado, Iberê inclui a Caixa d’Água, nome e marco territorial da região que mais tarde viria a se chamar Restinga Sêca.

“Eu disse há muitos anos que sempre pintamos o nosso pátio, a infância, material que bastaria para o resto da vida, mesmo que vivêssemos duzentos anos”, afirmou Iberê.

É um pouco desse lugar de memória e afeto que esta exposição pretende revelar.

 

Gustavo Possamai
Responsável pelo Acervo da Fundação Iberê

 

Imagem: Estação Ferroviária Restinga Sêca, década de 1960. Acervo Documental Fundação Iberê