Artista que apoiou Iberê Camargo na retomada da gravura no final dos anos 1980 e idealizador do Gabinete de Gravura no Museu Nacional de Belas Artes, Carlos Martins faz retrospectiva de seu trabalho na Fundação Iberê

04.jun.25

Sombra da Terra, a mais abrangente exposição já organizada de sua produção, inaugura no dia 14 de junho

 

Mestre supremo de seu ofício, Carlos Martins é um dos gravadores mais apurados, sofisticados e elegantes de sua geração. Dotado de um virtuosismo poucas vezes atingido no campo da repetição da imagem, pode-se dizer também que é um ‘gravador dos gravadores’.   

Por mais de 15 anos, o artista manteve relações profissional e de amizade com Iberê Camargo. Na virada para a década de 1990, chegou a imprimir matrizes de gravura em metal realizadas pelo amigo, quando este decidiu retomar a prática que havia deixado de lado ainda no começo dos anos 1970.   

Martins também foi o curador de duas exposições dedicadas à produção gráfica de Iberê: A gravura de Iberê Camargo: Uma retrospectiva, que viajou por instituições de Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, em 1990, e Estrutura em movimento: a gravura na obra de Iberê Camargo, organizada em colaboração com José Augusto Ribeiro, na Pinacoteca de São Paulo, em 2014.  

Em 1983, o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS) recebeu a itinerância do Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), Introdução ao Conhecimento da Gravura em Metal. Na época, em entrevista ao Jornal Folha da Tarde, ele revelou ser “apaixonado pelo Rio Grande do Sul” e que tinha em seus planos “qualquer dia destes expor na capital gaúcha”.  

Quarenta e dois anos depois ele retorna a Porto Alegre, desta vez, para apresentar entre 14 de junho e 17 de agosto, na Fundação Iberê, uma exposição panorâmica de sua trajetória que compreende cerca de 120 obras, entre gravuras em metal, esculturas, um ambiente e um vídeo inédito, realizadas no começo da década de 1970 até uma instalação inédita concebida em 2023.   

Com curadoria de José Augusto Ribeiro, Sombra da Terra sublinha o interesse de Carlos Martins em figurar uma espécie de dimensão metafísica do mundo das coisas, com imagens que são, em geral, silenciosas, vazias – ou sem presença humana – e abrangentes – por compreenderem desde cenas do ambiente doméstico até estampas de astronomia.   

As representações enfatizam, por exemplo, a sombra e o reflexo de seus motivos no espaço; reportam a experiências e memórias pessoais, reforçando o intimismo proposto de início ao observador, no tamanho físico dos trabalhos, pequenos em sua maioria; e manifestam, com frequência, uma estima pelo universo da cultura material – pela produção de imagens nas artes visuais, na pintura, escultura e fotografia, por estruturas narrativas e cênicas da literatura, teatro e cinema, pela música, pelo design e objetos de uso rotineiro, pela arquitetura e urbanismo, daí até a paisagem e o paisagismo.   

Não por acaso, há diversas gravuras de Carlos Martins inspiradas pelos lugares onde foram produzidas. É o caso da série Journey to Portugal, de 1976, em que a natureza surge apenas na forma controlada dos jardins, vista entre sombras, por cima de paredes e muros, ou através de janelas.  

Outro destaque da exposição compõe-se de trabalhos em torno da ópera O Guarani, de Carlos Gomes. Trata-se um grupo amplo, iniciado por uma série de gravuras realizadas entre 1985 e 1986, que criam as cenas de uma montagem fictícia do espetáculo em que os personagens são silhuetas planas, como sombras verticais; passa por objetos associados ao cenário de um concerto comemorativo do centenário do compositor, concebido por Martins, a convite do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 1996; e se estende à instalação Peep box, produzida pelo artista para sua exposição no Museu Lasar Segall, em São Paulo, em 2023, em que estão reunidos, também, elementos daquele concerto comemorativo e das gravuras da década de 1980 inspiradas na ópera de Carlos Gomes.  

“O objetivo da exposição é ressaltar o apuro técnico da produção de Martins na realização de seus trabalhos, a combinação de linguagens e soluções diversas na feitura de uma única imagem e os jogos que se armam, não raro, entre repetições e diferenças em grupos de trabalhos – quando numa série, por exemplo, uma estampa se multiplica por várias unidades, embora cada uma receba tratamento específico e diferente, com cores, formas e soluções de preenchimento variadas. Constitui-se, assim, uma obra que é, ao mesmo tempo, rigorosa, culta e atenta à realidade sensível”, afirma Ribeiro.   

Sobre o artista
Há 50 anos, Carlos Martins produz um trabalho gráfico notabilizado pelo apuro técnico empregado nas diferentes etapas de construção de uma imagem, no desenho, gravação e impressão. Tanto que a literatura a respeito da obra fala com frequência de sua “altíssima qualidade” e do “domínio absoluto”, pelo artista, dos procedimentos da gravura em metal. Qualidades que o colocariam, na década de 1980, entre “os melhores gravadores brasileiros”, na opinião de um segmento da crítica.   

Carlos Botelho Martins Filho (Araçatuba, SP, 1946) iniciou seus estudos em gravura em metal na década de 1970, na Inglaterra, frequentando a Chelsea School of Art, Sir John Cass School e Slade School of Arts, além da Academia Raffaelo na Itália, retornando ao Brasil em 1978. Estabeleceu-se no Rio de Janeiro, trabalhando na Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ) como professor de gravura. Durante a década 1980 ministrou cursos, ao modelo inglês de evening class, que ocupavam horários ociosos de ateliês de escolas e de universidades para a realização de cursos livres.   

Nesta época, havia poucas publicações traduzidas para o português que dessem conta da história da gravura. Pensando em tornar esse conhecimento acessível aos estudantes da técnica no Brasil, Martins iniciou um projeto que promovia a pesquisa da gravura em metal, resultando em uma exposição e publicação intitulada Introdução ao conhecimento da gravura em metal. 

Esse projeto deu origem a uma exposição itinerante de gravuras, de julho de 1982 a junho de 1983, que percorreu as principais capitais do país, e o convite para criar, em 1984, o Gabinete de Gravura no Museu Nacional de Belas Artes. Inserido na dinâmica de reformulação interna do MNBA, o Gabinete nasceu com a intenção de dedicar um espaço específico para estudo e tratamento do conjunto de gravuras do museu.