Jaguari, 1941
óleo sobre tela
40 x 29,3 cm
Acervo Fundação Iberê

Tombo P035

Foto © Fundação Iberê

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“Na paisagem, nessa época, procurava fixar o instante fugidio. Queria aferrar, captar o mistério que vejo envolver o real. Minha visão era fenomenológica. Trabalhava com paixão, com ímpeto, com emoção incontida, às pressas; terminado o quadro, não o retocava, mesmo que nele descobrisse dissonâncias. Considerava o instante de criação irretocável, sagrado.”

CAMARGO, Iberê; MASSI, Augusto (org.). Gaveta dos guardados: Iberê Camargo. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 126.

 

“De 1936 a 1942, Iberê Camargo vive e trabalha em Porto Alegre. São dessa época telas de grande qualidade, pintadas com a espátula ou, em geral, por pinceladas espessas e marcadas, que deixam antever seu estilo maduro: paisagens, a maior parte, entre elas a excelente Jaguari (1941). Essa técnica pictórica não era nada incomum no Brasil da época, e costumava ter uma valência conservadora: a espátula e o pincel grosso eram utilizados para enfatizar uma figuração de matriz impressionista, contraposta à estilização linear que dominava as tendências modernistas. Um exemplo próximo: as paisagens de Benito Castañeda [1885-1955], que se tornou professor do Instituto Livre de Belas-Artes e teve sua primeira individual em Porto Alegre justamente em 1941, o mesmo ano de que data Jaguari. Evidentemente, a pintura de Iberê, já nessa época, é muito mais moderna que a de Castañeda: nela, o embate entre gesto e matéria pictórica já prevalece sobre o ilusionismo da imagem. No entanto, para que sua arte pudesse explicitar os rumos que ele já começava claramente a tomar, seria necessário dispor de elementos que o ambiente gaúcho da época não lhe proporcionava: em particular, a passagem da concepção da tela como espaço ilusionista à de um plano, ou anteparo, sobre a qual a matéria pictórica se apóia. […]”

MAMMÍ, Lorenzo; SALZSTEIN, Sônia (org.). Diálogos com Iberê Camargo. São Paulo: Cosac Naify, 2003. p. 153.

 

“As primeiras pinturas e desenhos, ainda nos primórdios de 1940, evidenciam desde cedo fortes preocupações de fixar, por meio delas, o instante fugidio, de captar o mistério das coisas. Essa aspiração inicial permanece em depoimentos, mas ganha importância artística ao se projetar na elaboração das obras em dimensão reduzida que se mostram densas de matéria e são, particularmente, testemunhos de um obsessivo espírito moderno de pesquisa. A pintura de Iberê desde esses tempos aponta discussões nela mesma, entre seus elementos, a tal ponto que céus, vegetação ou riachos pouco importam, permanecem quase ocultados sob a forte pastosidade da substância pictórica; a inquietude sugerida nos quadros provém do gesto nervoso e do manejo intermitente de pinceladas que quase abraçam as telas ao recobri-las por inteiro. A tortuosidade no emprego da matéria não deixa clareza quanto à percepção dos elementos ali tramados, traz ao primeiro plano a idéia de um organismo nascente, violento no ato do pintor ao fazer pintura, instável para quem se defronta com eles. O trágico inculcado nesses pequenos quadros é a sua incerteza, a que funda sua elaboração, certa confusão saturada de cor e das rápidas marcas do gesto.”

ZIELINSKY, Mônica. A inquietude da arte. In: ZIELINSKY, Mônica; DUARTE, Paulo Sergio; SALZSTEIN, Sônia. Moderno no limite. Porto Alegre: Fundação Iberê Camargo, 2008. p. 14.

 

“O lugar é nela figurado por um desdobramento de formas, que viria a ser recorrente nessa pintura. Nessa primeira fase, em que existe, ainda, um compromisso com a figuração, o desdobramento é sugerido pelo reflexo de árvores na água. Essas árvores já são constituídas pictoricamente por acúmulo de matéria e por uma gestualidade que as transfigura, indicando, precocemente, o questionamento de uma figuração tradicional.
Mas trata-se, ainda, da figura do lugar: Iberê tenta captar, pela cor, a qualidade rara da luz daquela região do Rio Grande do Sul, que transforma a vegetação e a água. O quadro desdobra-se numa sinfonia de verdes e beges; a representação da água permite esquematizar ainda mais as formas, e criar um espaço reversível em seus sentidos superior/inferior, sugerindo, praticamente, uma pintura não-figurativa. No entanto, Iberê figura um lugar que, como na maioria de suas obras, relaciona-se estreitamente aos seus afetos. Em Jaguari, situado a pequena distância de Restinga Seca e de Santa Maria, ele passou alguns anos de sua infância e, mais tarde, de sua juventude. Nos anos 80, após a volta a Porto Alegre e o chamado retorno à figuração, o artista manifestou o desejo de rever as sangas e o rio Jaguari. Desejo de regressar aos lugares de sua juventude ou aos lugares de sua pintura inicial?”

CATTANI, Icleia Borsa; SALZSTEIN, Sônia (org.). Diálogos com Iberê Camargo. São Paulo: Cosac Naify, 2003. p. 83.