No tempo, 1992
óleo sobre tela
200 x 250 cm
Acervo Fundação Iberê

Tombo P064

Foto © Fundação Iberê

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“Sim, porque no quadro aparece aquele ciclista, aquele andarilho… mas é muito perigoso um pintor falar sobre o quadro, porque ele vai entrar numa linguagem outra… e o quadro é uma solução plástica, a solução exigida é resolvida plasticamente – o plano, e tudo o que a gente quer que seja uma boa pintura. Mas como eu não estou pintando, se vou falar do quadro, então posso dizer que tem uma mesa e um carretel – que o Mário Pedrosa chamava de tótem – que seria uma arqueologia, seria arqueológico, porque é de um passado meu… e aquele andarilho que é o hoje, o agora. […] seria interessante se eu pudesse unir, no agora, o passado e o presente, tudo. Porque, na verdade, nós sempre perdemos, o passado fica para trás, é sucata, é coisa modificada, destruída, apodrecida – isso é o passado. E nós estamos no presente, e na frente há sempre uma luz, nós sempre estamos caminhando. Agora, se pudesse o pintor unir essa coisa, esse passado, que eu buscava, como quando eu fazia aqueles ‘núcleos’, como se eu mergulhasse as mãos na terra, como se eu quisesse reencontrar os meus brinquedos, os meus carretéis que estavam sepultados em meu pátio de terra batida. Assim, eu queria resgatá-los, trazê-los para o agora, seria interessante… Agora, eu não sei, começa a aparecer nos meus quadros essa coisa… esses fantasmas, o meu passado. Cessa o tempo, acaba. Não há mais passado, presente e futuro. Só o tempo, único. É muito estranho.”

COTRIM, Cecília. A paixão na pintura. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 34, 1992: p. 122-123. (Fala de Iberê Camargo).

 

“Iberê trabalhou a um só tempo, sem separações. Anacronismos dentro do processo. É também um anacronismo dentro do processo quando o artista traz um novo presente àquilo que pertence a fases passadas, como se vê nas obras No tempo (1991) ou Tudo te é falso e inútil IV (1991) ou em Crepúsculo de Restinga Seca (1991). Nessas produções os carretéis voltam a pairar sobre a mesa ou sem ela, junto aos personagens de um tempo mais recente, um Ciclista na primeira e duas trágicas Idiotas nas últimas.
Sua verdade estava no ato de pintar, nunca fora. Dos detalhes à percepção geral de cada quadro, qualquer parte de sua obra aponta uma violenta revolta, impressa nos relevos e incisões da tinta, nas cores e matizes de cada pincelada, assim como nos pigmentos jorrados diretamente das bisnagas no suporte dos quadros. Pintura, volume e desenho coexistem hibridamente no espaço pictórico, tal como no pensamento que perpassa a arte dos nossos tempos. A dimensão experimental da pintura de Iberê é ação, é a forma dinâmica de agir sobre a matéria. Mas ao mesmo tempo, ela é ultrapassagem de limites, os do suporte e do material, para atingir a essência humana. Pouco importam para Iberê os jargões sobre o estatuto da pintura, eles pertencem a âmbitos extrínsecos à sua arte. Os problemas da pintura, para ele, são formulados exclusivamente pela própria pintura.”

ZIELINSKY, Mônica; SALZSTEIN, Sônia (org.). Diálogos com Iberê Camargo. São Paulo: Cosac Naify, 2003. p. 108-109.