sem título, 1956
óleo sobre tela
65,5 x 81,5 cm
Acervo Fundação Iberê
Tombo P071
Foto © Fundação Iberê
“[…] A partir de então [de uma hérnia de disco que impede o artista de pintar ao ar livre], os temas de seus quadros são garrafas, frutas, púcaros e outros objetos que ele arruma sobre uma pequena mesa. Uma espécie de cenário pobre e restrito de onde terá que extrair o alimento de sua arte. Mas isso não o atemoriza; é antes um desafio que ele aceita. Giorgio Morandi não construiu toda uma obra magnífica pintando garrafas e vasos empoeirados também trancado em seu ateliê?
É aí, preso em um horizonte fechado, que Iberê inicia a lenta corrida para o grande salto que mudará radicalmente o rumo de sua obra.
[…]
As transformações verificadas na fase anterior, das paisagens [em que a luz natural some, as cores escurecem e ganham uma plasticidade e um fulgor sombrios], já indicam, pelo progressivo afastamento da realidade objetiva e consequente simplificação dos elementos naturais, uma tendência a buscar a coerência interna do quadro como linguagem em detrimento das referências ao mundo exterior: a linguagem da pintura reivindica o privilégio de submeter a realidade às suas leis.”
GULLAR, Ferreira; SALZSTEIN, Sônia (org.). Diálogos com Iberê Camargo. São Paulo: Cosac Naify, 2003. p. 15-16.
“Por volta de 1956, 1957, Iberê já goza de prestígio como gravador. É quando, em quatro naturezas-mortas, submete alguns poucos objetos e frutas à extraordinária geometrização. Essas gravuras em água-forte, junto com as respectivas provas de estado formam um conjunto que sugere aproximações com as naturezas-mortas de Morandi. A obra do grande artista italiano lhe é familiar desde 1948. Coincide com sua estada em Roma a apresentação, na Calcografia Nazionale, da antologia organizada por Petrucci de 88 águas-fortes de Morandi, a partir da qual o bolonhês começa a ser reconhecido entre as mais altas expressões do século XX […]. Em diálogo com a obra morandiana, Iberê cria uma sucessão de gravuras e pinturas em que objetos utilitários são apresentados com tal solenidade que mais parecem integrar uma liturgia profana. A densidade emocional que emana desses arranjos permite equipará-los às singelas, porém enigmáticas, natura in posa de Morandi.
[…] Esse compartilhar de princípios não significa que o mais jovem seja tributário do mais velho. Por temperamento e opção, o único compromisso que reconhece é com a própria sensibilidade. O importante é notar que Iberê, ao se aproximar da estética morandiana na fase das naturezas-mortas, revela o que há de mais característico em sua obra: a dialética entre o sensorial e o intelectual.”
MILLIET, Maria Alice. O “outro” na pintura de Iberê Camargo. Porto Alegre: Fundação Iberê Camargo, 2012. p. 22-23.
“A pintura Sem título (tombo P071), de 1956, é expressão plena da aplicação das conquistas ensaiadas nas obras anteriores: trata-se de uma tela na qual a aplicação do rigor formal da composição vem a par da simplificação pictórica. São formas sintéticas, hieráticas, cuidadosamente dispostas sobre uma base (uma mesa?) e com um fundo como anteparo, fechado por um amplo quadrado mais claro. A paleta reduzida se desdobra em tonalidades soturnas: cinzas, azuis, marrons, tudo muito composto e bem orquestrado. Trata-se evidentemente de um exercício tributário das naturezas-mortas de Giorgio Morandi (1890-1964), o mestre italiano da economia e da simplicidade. Há uma expectativa evidente além da representação: é uma pintura, são formas dispostas sobre uma tela, há uma aspiração metafísica, como se os objetos em sua representação pudessem dizer mais do que sua aparência. […]”
GOMES, Paulo. Iberê e seu ateliê: as coisas, as pessoas e os lugares. Fundação Iberê Camargo: Porto Alegre, 2015. p. 34.
“A instabilidade das primeiras pinturas de Iberê dos anos 40 se amplia, de modo diferente, nas telas maiores das décadas seguintes. Seus óleos de naturezas-mortas e garrafas, mais proximamente ao final da década de 1950, discutem problemas formais. Pesquisas sobre o caráter estrutural dos objetos, aspectos compositivos complexos, o estudo sistemático das conexões cromáticas entre luz e sombra são procedimentos marcantes. É uma pesquisa obsessiva, pois repete temas e enquadramentos, as soluções se alteram em seu desenvolvimento, mas ocorrem inerentes à ordem expressiva. Kandinsky, da mesma forma, ressalta o elemento interior, a substância subjetiva contida em um envelope objetivo.”
ZIELINSKY, Mônica. A inquietude da arte. In: ZIELINSKY, Mônica; DUARTE, Paulo Sergio; SALZSTEIN, Sônia. Moderno no limite. Porto Alegre: Fundação Iberê Camargo, 2008. p. 1