sem título, 1990
óleo sobre tela
65 x 92 cm
Acervo Fundação Iberê
Tombo P177
Foto © Fundação Iberê
“Minha contestação é feita de renúncia, de não participação, de não conivência, de não alinhamento com o que não considero ético e justo. Sou como aqueles que, desarmados, se deitam no meio da rua para impedir a passagem dos carros da morte. Essa forma de resistência, se praticada por todos, se constituiria em uma força irresistível. O drama, trago-o na alma. A minha pintura, sombria, dramática, suja, corresponde à verdade mais profunda que habita no íntimo de uma burguesia que cobre a miséria do dia a dia com o colorido das orgias e da alienação do povo. Não faço mortalha colorida.”
CAMARGO, Iberê; MASSI, Augusto (org.). Gaveta dos guardados: Iberê Camargo. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 135.
“Essas faces (que se movem sobre as outras, do abismo) retêm muito da nossa humanidade, angústias, alienações civis, ignorâncias particulares e republicanas, sonhos amarrados em candelabros (também carretéis), o amor perdido, a história de um tempo primevo, mítico entre o profano e o divino. […]
Criaturas, com todas as nossas dúvidas, sobressaltos, pedalando, vão sobre alguma irrisória, vã esperança. Mas pedalam. Não estão imunes da impaciência, nem de prováveis amores. Persistem a martelar o caos do mundo, com os implacáveis pés.
E toda a atenção deve ser posta nos olhos. Mesmo que tentemos acrescentar detalhes. Ou extraviá-los. Eles nos conciliam e veem da alma. De dentro de outra história. São olhos indagadores e duros. Longos. Rasgam o vazio, têm luz no amendoado centro, luz que arrasta e move as coisas. Hipnotizam de inocência e morte. […] Sem rancor ou medo, prenunciam um tempo mais humano e justo. O equilíbrio e a energia por detrás do universo.”
NEJAR, Carlos. A arte visceral de Iberê Camargo. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 5 jan. 1991.