Dentro do mato, 1941-1942
óleo sobre tela
40 x 30 cm
Acervo Fundação Iberê

Tombo P199

Foto © Fundação Iberê

Download

“[…] Em 1942 Iberê pintou um pequeno quadro, Dentro do mato. E uma turbulenta representação da paisagem e também a turbulência da matéria em luta para captar o que é violento na natureza. É um pequeno quadro onde se pode unir uma combinatória de estilos. Pensa-se em Cézanne, em Van Gogh ou mesmo nos paisagistas brasileiros do século passado. Mas o centro do quadro é um turbilhão: o tronco das árvores, seus galhos e folhas, à direita e à esquerda, compõem um movimento circular: mas nada de natural – uma ventania – açoita este movimento das árvores. O ritmo das pinceladas, seu movimento ansioso tornam este centro uma pasta verde, onde as árvores são somente identificadas por pinceladas mais acentuadas ou por um matiz de verde mais escuro. A tela define-se em três planos: há o caminho, amarelado, o mato e o fundo feito por meio de uma cor esbranquiçada, mas que se encontra totalmente ocupada pela densidade do mato. Este fragmento da natureza é um drama; seu tropo é o da metáfora das forças não-controláveis da natureza – metáfora dramática por excelência dos românticos, que apresentaram a turbulência marítima como um dos ideais deste fascínio. Visto, in loco, o pequeno quadro revela outro elemento: estas árvores que se retorcem, este mato figural é volumoso. A matéria grossa que o impregna deseja soltar da tela, solicita que a natureza desapareça aos golpes escultóricos de tinta. Este pequeno quadro – como muitos outros deste período – encarna a entrada do pintor na Pintura. O drama romântico da tela – o seu assunto – sofre a carga da pintura. A percepção de Iberê interioriza o epos que lhe autoriza participar da Pintura. A sua obra começa a ser uma épica espacial da matéria. É a fonte iberiana. […]”

COUTINHO, Wilson. Melancolia do Moderno. In: BERG, Evelyn. Iberê Camargo: coleção contemporânea 1. FUNARTE, Instituto Nacional de Artes Plásticas/ Museu de Arte do Rio Grande do Sul: Rio de Janeiro, 1985. p. 74.

 

“As primeiras pinturas e desenhos, ainda nos primórdios de 1940, evidenciam desde cedo fortes preocupações de fixar, por meio delas, o instante fugidio, de captar o mistério das coisas. Essa aspiração inicial permanece em depoimentos, mas ganha importância artística ao se projetar na elaboração das obras em dimensão reduzida que se mostram densas de matéria e são, particularmente, testemunhos de um obsessivo espírito moderno de pesquisa. A pintura de Iberê desde esses tempos aponta discussões nela mesma, entre seus elementos, a tal ponto que céus, vegetação ou riachos pouco importam, permanecem quase ocultados sob a forte pastosidade da substância pictórica; a inquietude sugerida nos quadros provém do gesto nervoso e do manejo intermitente de pinceladas que quase abraçam as telas ao recobri-las por inteiro. A tortuosidade no emprego da matéria não deixa clareza quanto à percepção dos elementos ali tramados, traz ao primeiro plano a idéia de um organismo nascente, violento no ato do pintor ao fazer pintura, instável para quem se defronta com eles. O trágico inculcado nesses pequenos quadros é a sua incerteza, a que funda sua elaboração, certa confusão saturada de cor e das rápidas marcas do gesto.”

ZIELINSKY, Mônica. A inquietude da arte. In: ZIELINSKY, Mônica; DUARTE, Paulo Sergio; SALZSTEIN, Sônia. Moderno no limite. Porto Alegre: Fundação Iberê Camargo, 2008. p. 14.

 

“Tudo especifica uma ordem poética e um lugar, gênese que atua a partir dali. São paisagens que, como paisagens, não vão se repetir nunca mais — Iberê não foi um paisagista. Permanecem, sobretudo, como um daqueles documentos autênticos da arte que só ela revela sem artifícios. Expressam já tão precocemente esse agarrar-se desesperado à pintura que identifica imediatamente um expressionista; ainda que sejam paisagens, o assunto é o homem e a condição humana. A natureza, sociedade, coisas são transfigurações dessa mesma visão, fenômenos em graus diferenciados da existência humana possível — este o empirismo trágico de Iberê. Trágico é ver tudo dessa maneira, de dentro e não de fora, a partir de um dentro que se projeta para fora, desgovernado, ameaçador, absurdo. Visão poderosa, violenta e primitiva, a mesma fatalidade de um outro provinciano agoniado, Van Gogh.
Todo expressionista autêntico está sempre no limite da abstração. O real é abstrato e o abstrato real, objetividade e subjetividade se confundem, são forças da mesma ordem, indistintas. Portanto, as pinturas de 42 são espiritualmente abstratas. Seria pobre ver nelas apenas tentativas de um gênero de pintura. […]”

VENÂNCIO FILHO, Paulo. Iberê Camargo: desassossego do mundo. Rio de Janeiro: S. Roesler: The Axis Instituto Cultural, 2001. p. 14.