Iberê Camargo e Adriana Calcanhotto: o reflexo da arte pelo olhar do outro

16.jul.20

O trabalho de Adriana Calcanhotto sempre encontrou a literatura e as artes visuais. Entre seus ídolos estava Iberê Camargo, a quem se referia como “meu guru”. Ela era apaixonada pelas formas e as cores utilizadas pelo artista. Esse encantamento virou música, composta do início ao fim com cores que se intercalam.

“Roxos/ Todos/ Pretos/ Partes/ Pratas/ Andrades/ Azuis/ Azares/ Amarras/ Amar/ Elos/ Amargores/ Calipsos/ Cortesias/ Cortes/ Cores e/ Rancores/ Luzes/ Milagres/ Lilases/ Rosas/ Guimarães/ Mulatos/ Dourados/ Rubores/ Castigos/ Castanhos/ Castores/ Havanas/ Avanços e/ Brancos/ Cobranças/ Cinzentos/ Cimentos
Crianças/ Nas sarjetas/ Nojentas/ Imagens/ Violeta/ Magentas/ Laranjas/ Matizes/ Cremes/ Crimes/ Cobaltos/ Assaltos/ Turquesas/ Pérolas/ Aos hipócritas/ Ocres/ Terras/ Telhas/ Gelos/ Gemas.” 

Ainda criança, Adriana acompanhava sua tia Istelita da Cunha Knewitz, uma das fundadoras do Atelier Livre junto com Iberê, à casa do artista. Mas foi em 1991 que as artes se encontraram. Durante um show no saudoso Porto de Elis ela entoou Tons, canção do segundo disco da carreira, Senhas, lançado no ano seguinte. Na plateia estava Cézar Prestes, um grande amigo e marchand de Iberê Camargo por quase 20 anos. 

Após a apresentação, Prestes foi ao camarim e convidou Adriana Calcanhotto para ir ao encontro do “guru”. “A visita aconteceu alguns dias depois, foi uma tarde muito agradável. Ela cantou para Iberê, e ele agradeceu com um desenho de traços firmes e menor presença do pincel agitado”, recorda o marchand

A amizade cresceu. Na segunda visita, Adriana levou uma fita com a música de presente e a gravação de vídeo feita no show. Em troca um novo esboço, desta vez, com mais movimento, traços mais rápidos e cores mais difusas. Em entrevista à Zero Hora sobre o encontro dos dois artistas, publicada em 8 de maio de 1991,  a repórter Clarissa Berry Veiga escreveu: “‘Não foi fácil desenhar Adriana’, diz o artista, referindo-se ao temperamento fechado da cantora, que pouco se move enquanto canta. ‘Foi como assaltar uma fortaleza, fiquei rodeando até conseguir'”. 

O retrato foi contracapa o livro “Pra que é que serve uma canção como essa?”, organizado pelo poeta e crítico Eucanaã Ferraz com 91 letras da artista gaúcha e lançado em 2016. Já a capa é Adriana olhando a paisagem a partir de uma janela da Fundação Iberê. “O prédio da Fundação abre para uma visão que a gente não tinha em Porto Alegre antes. A foto ilustra o que o Eucanaã escreve sobre eu sempre procurar enquadrar as coisas. Já o retrato é um díptico de 1991. O Iberê disse que pintou meu corpo e minha alma, e no livro está o quadro que seria a minha alma”, disse ela em entrevista a Roger Lerina sobre o lançamento do livro. 

Para a próxima exposição “O Fio de Ariadne”, com tapeçarias e cerâmicas assinadas por Iberê Camargo e destaque para as mulheres artistas, Adriana Calcanhotto fala da sua relação com o artista e o encontro com seu passado a partir dos retratos: 

“Iberê quis retribuir [uma canção que fiz em sua homenagem] fazendo um retrato meu, e foi quando o vi trabalhando pela primeira vez. Nunca tinha visto aquela urgência: ‘cadê o vermelho, cadê o amarelo?…’. Levei um susto enorme, pois ele pintava e, de repente, passava um branco por cima, apagava tudo e pintava de novo. É uma questão de camadas, que a gente não vê, mas que estão ali. Eu era tímida e foi tudo tão forte que fiquei travada. Ele disse que teve dificuldade de chegar em mim e solucionou a questão pintando um díptico: o corpo, que era eu naquele momento, e a alma, que é sem idade. O retrato da alma tem feições que lembram minha família paterna e minha avó materna. As pessoas dizem que a gente sempre reconhece ancestrais quando ele nos retrata. E isso é lindo! Quanto mais o tempo passa, mais o retrato me representa.” 

Para ver os retratos de Adriana Calcanhotto e informações sobre a exposição “O Fio de Ariadne”, clique aqui.