O dia em que Fernanda Montenegro visitou o ateliê de Iberê

21.ago.20

Em 1993, a atriz Fernanda Montenegro desembarcou no Rio Grande do Sul com a turnê do espetáculo “Dona Doida”, que seria apresentado em Porto Alegre, Novo Hamburgo, Rio Grande, Pelotas e Caxias do Sul. O monólogo, inspirado em poemas da escritora mineira Adélia Prado, estreou em 1987, com roteiro assinado pela própria Fernanda, seu marido Fernando Torres e Adélia e direção de Naum Alves de Souza.

Mas como vir a Porto Alegre e visitar Iberê Camargo, que conhecera em Londres? Era uma tarde de sábado quando Fernanda irrompeu a residência do pintor, localizada no bairro Nonoai, em Porto Alegre.

“Você é poderoso, Iberê, diz a atriz ao contemplar o quadro “A idiota”. “Você é uma grande artista”, diz Iberê ao envolvê-la num abraço. “Não, artista é você, eu sou apenas uma artesã”, devolve Fernanda em um reencontro que se segue com conversas sobre o ateliê, os amigos em comum no Rio de Janeiro e a saúde do pintor.

Pouco tempo antes, Iberê dedicou-se à produção de quadros de dois metros de altura por dois e meio de largura, exibidos no início de 1990 na Galeria Camargo Vilaça, em São Paulo. Talvez as intensas dores que sentira, nesta época, no braço direito fossem esforço demais, quem sabe artrite, até ser diagnosticado com câncer no pulmão. “Tudo que é grande nasce com a dor”, disse à Fernanda para linkar com um novo projeto  que pensara para ela: retratar o espetáculo Dona Doida em ação, desde que um patrocinador pagasse um cachê aos dois e que seis ou sete quadros fossem doados para um museu brasileiro.

O trabalho seguiria os moldes de outro trabalho realizado por Iberê, em novembro de 1992, no qual ele fizera uma série de guaches a partir da peça O homem da flor na boca, de Luigi Pirandello. Na ocasião o espetáculo foi representado no ateliê de Iberê, com os atores transformando-se em modelos para o artista. Os guaches foram expostos no Museu de Arte do Rio Grande do Sul – MARGS e colocados à venda em benefício da campanha de prevenção à AIDS “Um Ato de Amor à Vida”, lançada pelo protagonista da peça, Manoel Aranha. As cenas representadas no ateliê foram gravadas em filme e integraram o curta-metragem Presságio, dirigido por Renato Falcão e concluído em 1993.

Durante a visita de Fernanda, o artista apresentou a ela o filme e algumas obras resultantes desse processo. Ela imediatamente aprovou a proposta e, junto com sua produtora Carmem Melo, apresentaria o projeto a possíveis patrocinadores. Cézar Prestes, marchand de Iberê, também tentaria captar com empresas públicas e privadas no Rio Grande do Sul.

O estado de saúde de Iberê se agravou e sonho de retratar Fernanda foi interrompido. Porém é possível imaginar um dos quadros, em que a atriz recita no palco: “Se alguém me fixasse num quadro, numa poesia, fazendo de objeto de beleza os meus músculos frouxos…”.

Esta passagem do reencontro entre Iberê Camargo e Fernanda Montenegro estará na próxima exposição “O Fio de Ariadne”, com tapeçarias e cerâmicas assinadas pelo pintor e destaque para uma seleção de mulheres que marcaram a trajetória do artista.

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