A moda pelo viés da arte

Roberta Amaral
30.out.19

Não é de hoje que a moda volta seus olhos para a arte. Divergências à parte, os dois universos sempre buscaram o diálogo, seja de forma subjetiva, quando a arte inspira uma coleção ou, literalmente, quando os traços do artista se tornam o diferencial de uma peça de roupa.

A revolução do movimento modernista do início do século XX foi inspiradora para a moda e, a quebra de esteriótipos e a libertação de ideias impulsionaram uma ligação entres as duas vertentes. Começou tímida, apenas com referências cubistas no estilo Chanel, e depois audaciosa com Elsa Schiaparelli, que a conectou ao momento artístico da época. Vários estilos de arte, como o Dadaísmo, Surrealismo, Cubismo, Pop Art e Art Deco, inspiraram a estilista a inovar sem medo em modelos criativos e extravagantes para sua coleção.

A década de 50, marcada pelo New Look de Dior, foi um período de retorno à alta costura e, a seguinte, de quebra de regras, onde os jovens propuseram um novo estilo de vida, refletindo isso na indumentária para exteriorizar seu ser. Em 1965, Yves Saint Laurent lançou uma coleção inspirada no holandês Piet Mondrian, com estampas geométricas e a linha trapézio, símbolo do que era moderno e elegante naquela época.

Neste período, a moda ainda engatinhava no Brasil e foi o publicitário italiano radicado em São Paulo, Livio Rangan, que criou as primeiras campanhas e desfiles grandiosos, mesclando peças assinadas por estilistas nacionais, arte e cultura pop. Por trás do projeto estava a Rhodia, empresa francesa de fibras sintéticas que acabara de chegar ao país e precisava se tornar conhecida. A estratégia utilizada foi convidar artistas plásticos para desenhar estampas de peças únicas apresentadas a cada coleção, entre eles Iberê Camargo, Tomie Ohtake, Milton Dacosta, Nelson Leirner, Ivan Serpa, Manabu Mabe, Alfredo Volpi, Willys de Castro. Parte das criações se perdeu ao longo do tempo (caso de peças de Iberê, Ohtake e Dacosta), mas 79 modelos de 28 artistas foram doados em 1972 ao Museu de Arte de São Paulo, formando um conjunto batizado de Coleção MASP Rhodia.

Em 1986, foi a vez do Grupo de Moda Vanguarda Sul lançar sua coleção outono-inverno no Museu de Arte do Rio Grande do Sul, apresentando um audiovisual de Iberê pintando três manequins. “O fato de Iberê Camargo ter se sensibilizado com este momento da moda dá ao evento um componente de maior repercussão”, disse na época Evelyn Berg Ioschpe, então diretora do Margs.

Na medida em que moda é “aceita” como arte e em que um desfile se articula com artistas, volta a discussão. Moda é arte? Para Gloria Kalil, não. Enquanto a arte propõe reflexões, se não for vendida não perde seu valor, a moda é unicamente uma indústria criativa: “É verdade que a roupa é uma forma de expressão, mas não é arte. A arte tem um elemento cultural de ruptura. É mais profundo, propõe novas formas de olhar o mundo. E a moda é uma indústria, feita para ser consumida e não refletida.”

Na opinião de Lilian Pacce, moda é apenas uma forma com inspirações mútuas. Segundo a jornalista, há muitos exemplos de estilistas se inspirando ou colaborando com artistas e, também várias instituições culturais enriquecendo seu acervo com roupas assinadas por grandes nomes da arte contemporânea, como é o caso do MASP. “(…) A moda é uma das atividades importantes no campo da arte, e ainda que com suas épocas passageiras e variáveis, está ligada com recíprocas influências que a traz na vida do homem. (…) O vestido é para o corpo como o estilo é para uma época. Por outro lado, deve-se ressaltar que um belo traje vale tanto quando uma boa pintura. A moda é sempre a consequência de um modo de pensar e de viver (…)”, disse em 1951 Pietro Maria Bardi, diretor e fundador do museu junto com Assis Chateaubriand.

O discurso que relaciona arte à moda ganhou novo impulso com Juliana Sá, diretora de relações institucionais do MASP. Em 2018, ela se uniu com Amalia Spinardi, uma das patronas do museu, para retomar o envolvimento da instituição com o mundo da moda. O jantar MASP MODA apresentou aos convidados um recorte de seu acervo e deu start à renovação de seus programas, trazendo novos nomes e projetos da moda brasileira. “Temos um grandioso acervo de moda. Guardadas as devidas proporções, queremos que o MASP seja referência como o Costume Institute, do MET – Metropolitan Museum of Art, em Nova York. O sonho mesmo é conseguir ser o que o MET é pra moda em termos de museu”, diz Juliana.

Das passarelas para os museus
Ao redor do mundo, os museus de moda estão levando o público a uma viagem no tempo e a entender a relação da história e da moda. Confira cinco museus de moda:

Amsterdã

Museum of Bags e Purses – Para as apaixonadas por bolsas, é o maior museu dedicado ao tema no mundo. Discretamente instalado num histórico palacete de 1664, às margens de um canal de Amsterdã, o museu tem em seu acervo mais de 5 mil peças desde o século XVI até a uma bolsa, by Versace, usada pela pop star Madonna.

Granville

Christian Dior Museum and Garden – O local que desde 1997 abriga o museu dedicado à história do estilista, foi também sua casa de infância e um dos seus lugares favoritos, que serviram de inspiração para Dior. Com um cenário cultural e verdejante situado no alto de uma falésia, com seu jardim de estilo inglês, longe dos olhares e da agitação urbana, o museu é um dos mais visitados do mundo.

Londres

Victoria e Albert Museum – Considerado o maior museu de arte e design do mundo o V&A conta com uma coleção de 2,3 milhões de objetos que cobrem 5 mil anos da criatividade humana e são procedentes de diversas culturas. Estabelecido em 1852, inicialmente para incentivar o design britânico e servir de inspiração para as gerações futuras, atualmente, abriga fonte inesgotável para o estudo da arquitetura, mobiliário, moda, tecidos, fotografia, escultura, pintura, joias, vidro, cerâmica, arte e design da Ásia, teatro e performance. Entre a coleção permanente está uma área totalmente dedicada à moda. O acervo conta com peças icônicas de Christian Dior, Elsa Schiaparelli, Lanvin, Balenciaga e muitos outros nomes de peso.

Nova York

Metropolitan Museum of Art – A exposição anual do Costume Institute no Metropolitan Museum of Art, cuja pré-estreia acontece com o famoso Met Gala, tem como tema em 2019 o “Camp”, expressão americana sem significado exato, usada para tentar definir o amor por tudo aquilo que é extravagante, exagerado, não-natural. Na moda, o camp gira em torno de looks propositalmente irônicos, engraçados, fantasiosos, teatrais – e, vez ou outra, até considerados cafonas.

Paris

Palais Galliera – Construído em 1895, o prédio conta com, aproximadamente, 257.750 peças em seu acervo. Entre elas estão vestimentas que datam desde o século XVIII, alta-costura, criação contemporânea, além de acessórios e croquis, etc. O museu está fechado para reformas e reabre no final deste.