A presença da matriz popular e afro-brasileira no trabalho de André Ricardo em exposição na Fundação Iberê
No dia 4 de março (sábado), às 14h, a Fundação Iberê abre sua agenda de exposições de 2023 com o artista André Ricardo (SP). Aos 37 anos, André é um dos nomes da arte contemporânea brasileira que está mostrando a sua potência mundo afora. Recentemente, retornou de uma residência artística na RU – Residency Unlimited, no Brooklyn, em Nova York.
Com curadoria de Claudinei Roberto da Silva (SP), Da pintura necessária apresenta 56 obras produzidas com têmpera ovo, que consiste na mistura do pigmento com a gema, uma técnica predominante na arte italiana pré-renascentista. Grande parte dos trabalhos será exposto pela primeira vez, entre eles, um pequeno conjunto de pinturas produzidas em NY, em 2022.
Para o artista, é difícil definir os horizontes de seu trabalho, uma vez que uma obra de arte pode se ressignificar ao longo do tempo. No entanto, ele permite-se a apontar alguns caminhos percebidos na sua pintura: “No conjunto que será apresentado na Fundação Iberê, é marcante, por exemplo, a familiaridade com uma visualidade de matriz popular e afro-brasileira. Essas composições buscam responder ao meu anseio pela construção de uma memória, algo que possa me ajudar a entender minha própria identidade enquanto sujeito e, por conseguinte, como artista. As figuras não são um tema em si mesmo, mas a especulação de uma inteligência visual, que acredito carregar como herança. Nesse sentido, quando penso em pintar um pássaro ou um barco, o interesse pelo tema, geralmente, não se dá pela via do significado literal. O que conecta um tema e outro não é o assunto, mas o modo de resolvê-lo enquanto desenho e pintura.”
Chama a atenção, também, que muitas das composições criadas por André não foram planejadas; foram acontecendo durante o processo. É como se a pintura estivesse à frente de sua razão, o conduzindo a lugares desconhecidos. Parafraseando Iberê Camargo, “não sei aonde vou chegar, mas tenho que estar atento para perceber quando cheguei”.
A cor é um fator crucial nas produções do artista, um momento de preparação da sensibilidade. Quanto mais convive com ela (a cor), mais compreende como funciona e para onde se direciona. A têmpera ovo é uma técnica que demanda o controle de grande parte da produção, desde o preparo do suporte até a feitura da tinta. Tudo é feito no ateliê, sendo o artesanal um aspecto fundamental do processo. “Gosto quando a cor chega num ponto em que se torna condutora de alguma emoção, portadora de alguma memória afetiva. A técnica da têmpera ovo é o coração do meu trabalho. É a escolha da técnica que estabelece nossa relação com o fazer, o entrelaçamento entre o pensamento e a manipulação da matéria”, diz.
Outro fator a ser destacado no trabalho de André é a luminosidade acetinada, bastante característica da pintura à têmpera, bem como sua transparência e o grau de pureza da cor, que o reporta às pinturas feitas à cal, muito utilizada nas fachadas de construções populares no Brasil, sobretudo no Nordeste. O tema das fachadas, inclusive, está muito presente no conjunto que será apresentado na Fundação Iberê.
“O caráter construtivo da obra de André Ricardo está apresentado em pinturas de superfície, organizadas em planos que não obedecem a uma hierarquia imposta por ilusões de perspectiva. Os planos são apresentados através das composições cujos ritmos são determinados pela cor, cor que vibra com mais ou menos intensidade a partir das relações que o artista, sensível e laboriosamente, cria entre elas. A cor, a forma, os ritmos dessa pintura são resultado das decisões que o artista toma no sentido de revelar a solidez desses elementos combinados. A solidez da cor nesses trabalhos confere, ou antes, confirma, o rigor e a estabilidade dessas pinturas, para, por outro lado, conferir as mesmas, certa placidez e, às vezes, ludicidade que nada tem de pueril. A mencionada solidez da cor é também o resultado do característico uso que o artista faz da têmpera, tinta opaca obtida da mistura de gema de ovos e pigmentos que tem como característica a durabilidade e preservação do ‘brilho’ e da luz original da cor do pigmento”, escreve Claudinei.
Exercício poético sobre a realidade
Filho de pais nordestinos que vieram tentar a vida na capital paulista, André Ricardo cresceu na periferia da zona sul, nos arredores do Grajaú. Em 2006, ingressou na Faculdade de Artes Visuais da USP, onde o caminho perseguido até a formatura foi um divisor de águas em sua vida, como lembra o curador Tadeu Chiarelli no texto da primeira individual do artista, em 2021, na Galeria Estação (SP): “Apesar de criado no mundo reorganizado pela internet (ele nasceu em 1985), sua produção inicial se estabeleceu a partir de desenhos elaborados em suas viagens cotidianas entre o Grajaú (bairro paulistano nas bordas sul de São Paulo) e a USP (zona oeste da cidade). Produzidos como continuidade dos exercícios feitos nas aulas do Departamento de Artes Plásticas da ECA USP, os desenhos realizados nos ônibus (às vezes parados nos congestionamentos, às vezes em alta velocidade) aos poucos foram sendo substituídos por outros desenhos, reminiscências daqueles deslocamentos em que André se impressionava com a quantidade de caminhões com caçambas, basculantes e escavadeiras espalhadas pelas ruas e avenidas – e, também, frutos de vivências ainda mais antigas. Com o passar do tempo, essas reminiscências começaram a ser traduzidas para a tela, demonstrando, de pronto, o quanto o jovem pintor parecia caminhar pela tradição da pintura, ecoando um universo formal específico: aquele de tradição construtiva.”
Para André Ricardo, a pintura é um modelo de pensamento integrado à sua realidade. Nos últimos anos, com o agravamento da crise política no Brasil, se viu provocado a repensar os rumos de suas produções. Como responder a esse momento crítico que estamos atravessando? “Essa pergunta que faço a mim mesmo é, sem dúvida, um questionamento absorvido no exercício poético. No entanto, é preciso respeitar o tempo da obra, ter paciência e atenção para que seja algo revelador, que provoque a perceber o mundo sob outra perspectiva”, enfatiza.
Sobre o curador
Claudinei Roberto da Silva nasceu em 1963, na cidade de São Paulo, onde vive e trabalha. Formado em Educação Artística pelo Departamento de Arte da Universidade de São Paulo, realizou curadorias e trabalhou nos núcleos de educação de diversas instituições. Entre seus trabalhos realizados, destacam-se: curador, com Cauê Alves, Cristiana Tejo e Vanessa Davidson do 37° Panorama da Arte Brasileira, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, onde integra a comissão cultural da instituição; curador, com Igor Simões e Diane Lima, do projeto MAC-USP Curatorial Practices Research, no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo e Getty Institute, Chicago; curador da exposição Pretatitude: insurgência, emergência e afirmação na arte afro-brasileira contemporânea , nas unidades do Sesc São Carlos, Ribeirão Preto, Santos, Vila Mariana e São José do Rio Preto, SP; coordenador do núcleo de educação do Museu Afro Brasil Emanoel Araujo, São Paulo.
SERVIÇO
Exposição Da pintura necessária
Artista: André Ricardo
Curador: Claudinei Roberto da Silva
Onde: Fundação Iberê (Avenida Padre Cacique, 2000 – Bairro Cristal)
Abertura: 4 de março | Sábado | 14h
Visitação: até 30 de abril, de quinta a domingo, das 14h às 18h
Às quintas, a entrada é gratuita. De sexta a domingo, os ingressos custam entre R$ 10 e R$ 30
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