Bastidores da arte: os caminhos que levam até a exposição
Nos últimos anos, o Brasil tem despontado como destino importante de grandes exposições de arte. Segundo o editor de arte da BBC, Will Gompertz, até pouco tempo, o ranking de mostras mais visitadas era inteiramente dominado por exposições sediadas em instituições da Europa e dos Estados Unidos. A novidade, afirma ele, é um reflexo das mudanças na ordem mundial, com o Brasil e a China aparecendo na relação das 20 mais visitadas. “Essa mudança pode se dar por meio de países que resolveram construir e/ou modernizar seus museus ou, cada vez mais, por corporações com talento tanto para farejar arte como para promover suas próprias marcas.”
Em março deste ano, a Fundação Iberê reabriu suas portas durante a semana – de quarta a domingo – e, ao final de 2019, encerrará com 13 exposições: Iberê Camargo, de artistas residentes do Ateliê de Gravura, Cecily Brown (EUA), Louise Bourgeois (FRA), itinerância da Bienal de São Paulo, Grupo de Bagé e outros artistas brasileiros como Daniel Senise (RJ), Wesley Duke Lee (SP) e José Bechara (RJ). O número de visitantes evidencia a crescente procura de porto-alegrenses e turistas interessados tanto nas mostras quanto na arquitetura de Álvaro Siza. De janeiro a julho foram registradas mais de 35 mil visitas, 30% a mais em relação ao mesmo período do ano passado.
Toda programação da Fundação é gratuita e, muitos visitantes não fazem ideia de sua complexidade e do investimento despendido na produção de uma exposição. Geralmente, ela começa a ser pensada com um ano de antecedência e envolve um número significativo de profissionais, orquestrados por um colegiado curatorial e gestor.
Assim como o maestro na música, a figura do curador é tão importante quanto a do artista. Nos tempos de Michelangelo, Rembrandt ou Monet, curadores de arte sequer existiam. Essa nova profissão surgiu no século 20, graças ao crescimento do mercado de arte. Hans Ulrich Obrist, curador e diretor da Serpentine Galleries, de Londres, define o significado da profissão em quatro pontos principais: preservar, no sentido de salvaguardar a herança da arte; selecionar os novos trabalhos; conectar à história da arte; e, organizar e exibir o trabalho. Sendo assim, os curadores estão envolvidos em praticamente todos os aspectos das atividades de um museu, além de terem papel fundamental no processo de seleção e aquisição das instituições, decidindo como destinar o orçamento e quais trabalhos exibir.
“O maior desafio de um curador é ser um bom curador. Alguém comprometido com a pesquisa, com a formação contínua, muita leitura de história, política, filosofia, estética, ficção e cinema. O curador precisa escrever um texto conciso que fale da obra mais do que ela própria e monte uma exposição em que haja coerência entre as obras e o espaço. O curador é a pessoa que promove o distanciamento em relação a sua obra. Cabe a ele uma leitura crítica sobre o trabalho”, explica Daniela Labra, curadora e crítica de arte.
Daniela destaca ainda a diferença em trabalhar com “novos” e “velhos” artistas: “O artista em ascensão chega com gás, uma série de ideias e muitas possibilidades. Cabe ao curador, como interlocutor, o papel de organizar essas ideias e pensar junto a exposição. Por sua vez, o artista com longa trajetória está aberto a ouvir, mas já absorveu tanta coisa e tem tantas referências que é o curador quem acaba ouvindo. Ele é menos ansioso e sabe o que quer. Pede sugestões, sabe escutar e recuar, mas ele não tem dúvidas.”
Tarefas especializadas
Definidos o tema a ser abordado e o período de realização, vêm a pesquisa e a seleção das obras. Elas são encaminhadas ao setor de conservação, que dirá quais estão em condições e quais devem passar por intervenções de conservação para integrar a mostra. O passo seguinte é a tramitação técnica das obras selecionadas. Simultaneamente, estão trabalhando as equipes de conservação, museologia, expografia e produção que, acompanhadas do curador, visitam com antecedência o local onde será realizada a exposição.
Um capítulo à parte, nesse roteiro, diz respeito à embalagem e ao transporte das obras de arte, tarefas que devem observar rígidos padrões internacionais. As obras são acomodadas em embalagens especiais, confeccionadas com materiais altamente isolantes e transportadas em veículos preparados, para se assegurar a integridade física de bens únicos.
A saída e a chegada de bens culturais cumprem um roteiro muito semelhante nas instituições museológicas de todo o mundo. O deslocamento é feito com o acompanhamento de um courier – palavra importada que designa o responsável por acompanhar a tela ou objeto que sairá do acervo – geralmente funcionário do museu que está fazendo o empréstimo. Antes de expostas e ao término da exposição, as obras são vistoriadas. São examinadas, por exemplo, a textura da imagem (no caso de pinturas) e qualidade de conservação, entre outros quesitos.
Após o evento de abertura, segue-se o período de visitação e entra em cena o serviço educativo, que trata da interlocução realizando atividades de mediação. Ao final do período da mostra, é chegada a hora da desmontagem e voltam novamente ao trabalho as equipes de transporte, seguro, museologia, expografia e courriers para procederem a reembalagem e devolução das obras com os devidos cuidados que asseguram a integridade física de peças que, em sua maioria, possuem alto valor histórico.
Viagem segura
O cuidado para transportar obras de arte é tanto que empresas especializadas estão cada vez mais se aperfeiçoando e garantindo serviços de alta qualidade. A metodologia consiste em uma vistoria técnica inicial para determinar as características do que será transportado. Após essa análise, é criada uma logística complexa que envolve desde a embalagem, coleta o tipo de transporte e a segurança. Cada item é imprescindível para a chegada das obras em perfeitas condições: a estratégia de transporte funciona de acordo com as necessidades técnicas das peças, para garantir maior proteção contra choques, vibrações e variações de temperatura e umidade.
Seguro de obras
O seguro para obras de arte ainda é pouco explorado no Brasil, com algumas diferenças nas coberturas quando comparadas às que são oferecidas na Europa ou nos Estados Unidos. A perda desses objetos pode representar um prejuízo considerável ao dono, principalmente, quando se trata de obras que não têm como ser recuperadas.
Atualmente, apenas três seguradoras cobrem capitais que vão de R$ 20 mil a R$ 3 bilhões: Axa, Chubb e MAPFRE. De acordo com Ricardo Minc, CEO da Affinité Seguros, diversos itens são levados em conta para calcular o custo do seguro, como o tipo de apólice (museu, colecionador, galeria ou exposição); necessidade de transporte (distância e meio de transporte); fragilidade das peças; local de risco; limites desejados; sistemas protecionais de segurança e coberturas contratadas. A Affinité é considerada a mais importante consultoria de seguros do país nos segmentos de artes, entretenimento e produção audiovisual, com mais de 450 clientes que ultrapassam 3 mil projetos, entre eles a Fundação Iberê, a Pinacoteca do Estado de São Paulo, o MSP, o MAC USP, o MAM SP, o Instituto Tomie Ohtake, o Museu de Arte do Rio de Janeiro, o MAM RJ e a Fundação Edson Queiroz.
“Nesses quase 20 anos de trabalho, lidamos com situações de exigências e limites altos. Recentemente, vivemos uma das maiores dificuldade na colocação de um seguro para uma grande exposição com valores que excediam R$ 2 bilhões devido às circunstâncias do Mercado de Resseguro do LLOYDS, que está entrando num período de endurecimento, com constantes aumentos das taxas ocasionados por diversas perdas, juntamente com o agravante das tragédias locais, como os incêndios do Museu da Língua Portuguesa, Memorial da América Latina, Museu Histórico Nacional e, por último, o desastre de Brumadinho”, explica Minc.
Os seguros podem se concentrar apenas no transporte até um determinado local – seguro de transporte; podem ainda conter a chamada cobertura “prego a prego”, que cobre desde de a retirada do local de guarda até a volta do objeto, garantindo qualquer problema que haja com a exposição ou transporte; ou podem também contar com uma cobertura permanente, quando o colecionador quer proteger seus bens, independentemente, do local em que a obra está.
De maneira geral, o valor do seguro está relacionado a quanto o colecionador pagou pela peça. Se ela foi comprada por R$ 1 milhão, o seguro será feito por esse valor, sempre respeitando as alterações de mercado e as valorizações que a peça tem ao longo dos anos. Quando uma coleção chega a uma seguradora, especialistas em obras de arte – conhecidos como marchands – reconhecem e precificam os objetos de acordo com a técnica que foi utilizada na sua feitura, o seu tamanho e o valor histórico, além de outros detalhes específicos, como a afeição do proprietário pelo bem, chegando-se então, a um consenso para a precificação.