CAIXA Cultural Brasília e Fundação Iberê apresentam o legado do Grupo de Bagé

05.mar.25

Mostra com mais de 180 obras de Glauco Rodrigues, Glênio Bianchetti, Danúbio Gonçalves e Carlos Scliar abre no dia 18 de março, às 19 horas, e fica em cartaz até 29 de junho 

 

Uma trincheira em defesa da liberdade na arte e na vida, cavada com as armas da inteligência e do bom humor na região sul do Rio Grande do Sul e conectada com os principais polos culturais do país. É o que caracteriza o legado de Pedro Wayne (1904–1951), escritor, poeta e jornalista e agitador cultural com enorme capacidade de articulação, inclusive nacional.  

Baiano que passou a infância em Pelotas, na metade sul do RS, Wayne chegou em Bagé em 1927, e lá exerceu uma extensa gama de atividades: escreveu romances, poemas, peças de teatro e folhetins com características modernistas, o que o levou a aproximar-se de importantes autores nacionais, como Erico Verissimo e Jorge Amado.  

Outra marca do escritor era seu espírito revolucionário. Se envolveu em diversos movimentos estaduais e nacionais, sempre ao lado dos trabalhadores do campo ou operariado, visando justiça social. Carlos Scliar (1920-2001), que tinha parentes morando em Bagé e ideias semelhantes às de Pedro Wayne, frequentava sua casa e o tinha como bom amigo.  

Foi em torno deste importante personagem da cultura local que, na metade da década de 1940, Glauco Rodrigues (1929-2004) e Glênio Bianchetti (1928-2014), com 16 e 17 anos respectivamente, começaram a desenhar e a pintar. Wayne “adotou os guris” e mostrou a eles o que havia de mais avançado nas artes visuais na Europa.   

Mais tarde, o escritor introduziu Danúbio Gonçalves (1925-2019) ao “ateliê”, que trouxe para o Grupo, a partir de sua experiência na França, o interesse no aprofundamento dos estudos de técnicas e teorias clássicas de desenho. Já a influência da pintura moderna veio com a passagem do artista carioca José Moraes, que ficou um período na cidade quando ganhou uma bolsa de viagem de estudos.  

Scliar, quando voltou de sua estada na Europa e participação na II Guerra Mundial, se interessou pelo movimento daqueles jovens e passou a frequentar, e praticamente liderar as atividades do Grupo, de certa maneira, reforçando as ideias passadas pelo escritor a respeito de cultura e política. 

A partir desse encontro, as produções foram se aproximando, inspirando-se na paisagem local e, interessados em realizar uma crítica social, levando-os a se envolver, na década de 1950, na criação do Clube de Gravura de Porto Alegre (1950) e do Clube de Gravura de Bagé (1951).  

Inspirados no movimento do Taller de Gráfica Popular do México, os Clubes (que posteriormente foram unidos) criaram um importante e independente sistema de divulgação dos artistas regionais. A participação nos clubes foi essencial para a consolidação da carreira dos quatro artistas, criando oportunidades que acabaram por separá-los. No ano de 1956, com o encerramento das atividades dos clubes, cada um seguiu uma trajetória distinta, porém, sempre carregaram características de seus anos de formação, na produção de material gráfico e ilustrações, e na constante volta aos temas regionais, em sua maior parte com um viés de crítica social.  

Contar essa história é o objetivo principal da exposição. A versatilidade e a rica produção dos quatro artistas serão exibidas através de gravuras, pinturas, aquarelas e capas de revistas, a partir de novas leituras e percepções acerca do trabalho do Grupo, frutos de estudos e documentários realizados por diversos pesquisadores do Rio Grande do Sul. 

Até hoje surpreende que um dos movimentos artísticos mais importantes da arte gaúcha tenha nascido na Bagé dos anos 1940, onde se vivia da pecuária. Como escreveu Pedro Wayne em reportagem publicada em 1946, na revista O Globo, “Bagé é uma cidade que vive exclusivamente da pecuária. A verdade é que a vida entregue às lides do campo não predispõe muito ao desenvolvimento de sensibilidades, nem apuro de dotes intelectuais”.  

“Toda essa desordenada simplicidade, todo esse inesperado não é mais do que o Montparnasse de Bagé. Sim, senhores: o Montparnasse de Bagé”, acrescentou o autor do romance “Xarqueada”, de 1937, em referência ao bairro parisiense conhecido por abrigar artistas e intelectuais. 

Depois de ganharem exposição conjunta na Fundação Iberê, em 2019, agora, os quatro de Bagé, como também eram chamados, será exibida em Brasília. A mostra “Os Quatro – Grupo de Bagé”, será inaugurada no dia 18 de março, às 19 horas, na CAIXA Cultural Brasília, e poderá ser visitada até 29 de junho. 

“A exposição recupera a memória de um dos movimentos artísticos mais importantes do Brasil. Não são apenas gaúchos, mas brasileiros. Eles foram fundamentais para a popularização dos clubes de gravura no Brasil. Tinham um compromisso social para que a arte fosse acessível e não ficasse restrita à elite”, diz Emilio Kalil, diretor-superintendente da Fundação Iberê. Para ele, uma frase de Scliar resume o sentido do conjunto exposto: “O que fazemos cada um nada tem a ver com o passado, mas depende intrinsecamente dele”. ​ 

Com curadoria de Carolina Grippa e Caroline Hädrich, a exposição reúne mais de 180 itens como obras, ilustrações dos clubes de gravura de Bagé e de Porto Alegre, além de exemplares raros das revistas Horizonte, Senhor, que percorrem a história do quarteto que eternizou na gravura atividades e paisagens do interior gaúcho. Uma mistura de temas universais e modernos, elaborada a partir da experiência e da representação de aspectos regionais, é o que caracteriza e une o trabalho dos quatro artistas, que, mais por sua proximidade e camaradagem, do que propriamente por um desejo de formar um movimento com uniformidade estética, ficou conhecido como Grupo de Bagé. Um grupo de pessoas muito talentosas que o acaso uniu, e que criou um trabalho tão sólido que a passagem do tempo apenas renova seu interesse. 

As obras pertencem a 23 instituições e acervos particulares. Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli (Porto Alegre), Pinacoteca Aldo Locatelli da Prefeitura de Porto Alegre, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Museu da Gravura Brasileira/FAT/Urcamp (Bagé, RS) e Instituto Carlos Scliar (Cabo Frio, RJ) são algumas das instituições a emprestarem obras; além de outras do espólio de Danúbio Gonçalves e Glênio Bianchetti, cedidas por suas famílias. 

“Uma espontânea, mas bem executada mistura de temas universais e modernos, elaborados a partir da experiência e da representação de aspectos regionais, é o que caracteriza e une o trabalho dos quatro artistas, que, mais por sua proximidade e camaradagem, do que propriamente por um desejo de formar um movimento com uniformidade estética, ficou conhecido como Grupo de Bagé. Um grupo de pessoas muito talentosas que o acaso uniu, criou um trabalho tão sólido que a passagem do tempo apenas renova seu interesse”, conta Grippa.  

 “Contar essa história é o objetivo principal da mostra, mas com uma nova e ampliada abordagem. Novas leituras e percepções acerca do trabalho do Grupo, frutos de estudos e documentários realizados por diversos pesquisadores no RS estarão refletidos no cenário da exposição”, destaca Hädrich.  

Os Quatro
CARLOS SCLIAR (1920-2001) – Nasceu em Santa Maria, interior do Rio Grande do Sul, e foi ainda pequeno para Porto Alegre, onde, com 11 anos, colaborou com as seções infanto-juvenis de jornais locais e, mais tarde, frequentou o departamento gráfico da Revista Globo. Em 1940, foi para São Paulo e começou a fazer parte do grupo Família Artística Paulista conhecendo pessoalmente diversos nomes do movimento moderno, mas após quatro anos foi para a Itália a serviço da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Segunda Guerra Mundial.  

No final de 1950, em uma visita a Bagé, conheceu, através de Pedro Wayne, os artistas que formaram o Clube de Gravura de Bagé e o de Porto Alegre. Em 1955, voltou para o Rio de Janeiro, e, entre 1958 e 1961, trabalhou como diretor artístico na Revista Senhor. Comprou, em 1964, um sobrando em Cabo Frio, RJ, onde morou e trabalhou por quarenta anos. No ano de seu falecimento, foi criado o Instituto Cultural Carlos Scliar, na cidade de Cabo Frio, e seu acervo se encontra atualmente tombado pela municipalidade. 

DANÚBIO GONÇALVES (1925-2019) – Nasceu em Bagé, fazendo parte de uma tradicional família de estancieiros da campanha. Aos sete anos, partiu para o Rio de Janeiro com sua irmã, onde teve aulas no ateliê de Cândido Portinari, manteve contato com outros pintores modernistas e participou de diversas edições do Salão Nacional de Belas Artes, recebendo prêmios e menções honrosas. Em 1950, foi estudar em Paris e ficou impactado com os movimentos surgentes na Europa do pós-guerra.  

Com um espírito imbuído dos ideais revolucionários e uma ligação com o Partido Comunista, Danúbio voltou ao Brasil e se juntou a Carlos Scliar, Glênio Bianchetti e Glauco Rodrigues, formando o Clube de Gravura de Porto Alegre e, posteriormente, o de Bagé. A partir de 1962, a convite do escultor Francisco Stockinger, passou a trabalhar no Ateliê Livre da Prefeitura de Porto Alegre, chegando a ser diretor. Lá, durante trinta anos ensinou litografia (técnica que aprendeu com Marcelo Grassmann, em 1962) e formou muitos artistas gravadores, atualmente reconhecidos no âmbito regional e nacional.  

GLAUCO RODRIGUES (1929-2004) – Nasceu em Bagé e foi colega de escola de Glênio Bianchetti, com quem dividiu o interesse pela pintura. Recebeu ensinamentos sobre pintura de José Moraes e aproximou-se da gravura e, junto com Glênio, Danúbio e Scliar fundou, em 1951, o Clube de Gravura de Bagé e iniciaram suas viagens de estudos a estâncias da região. Com a união do Clube de Bagé ao de Porto Alegre, Glauco mudou-se para a capital gaúcha e, depois, em 1958, seguiu para o Rio de Janeiro.  

Nesse momento, Rodrigues participou de sua primeira Bienal de São Paulo, entrou na equipe da revista Senhor e começou a sua produção abstrata, que perdurou por 10 anos. Em 1962, viajou a Roma a convite do embaixador Hugo Gounthier para trabalhar no setor gráfico da embaixada brasileira, e ficou alguns anos na Itália. Nesse período, participou da delegação brasileira na Bienal de Veneza (1964), no mesmo ano em que os estadunidenses chamaram atenção pela sua produção pop. Retornou ao Brasil em 1966 e, aos poucos, a figuração voltou à sua obra, que seguiu até a sua morte.  

GLÊNIO BIANCHETTI (1928-2014) – Nasceu em Bagé, oriundo de uma família ligada ao comércio na cidade. Foi a mãe de sua namorada, Ailema, que passou ensinamentos iniciais de pintura para ele e Glauco Rodrigues, que depois foram aperfeiçoados com a chegada de José Moraes a Bagé. Interessado pela pintura, ingressou no Instituto de Belas Artes em Porto Alegre no ano seguinte – mas não chegou a finalizar o curso.  

Fundou, em 1951, ao lado de Glauco Rodrigues, Danúbio Gonçalves e Carlos Scliar, o Clube de Gravura de Bagé, tendo Bianchetti a maior produção de gravuras da época. Na década de 1960, mudou-se com sua família para Brasília (cidade onde viveu o resto de sua vida), devido ao convite de Darcy Ribeiro para lecionar na recém-inaugurada Universidade de Brasília, mas sendo afastado devido à perseguição na ditadura militar, sendo reintegrado apenas em 1988. Atualmente, sua casa-ateliê, com seu grande acervo, é mantida por sua família. 

SERVIÇO
[Artes Visuais] Os Quatro – Grupo de Bagé
Local: CAIXA Cultural Brasília. SBS Quadra 4 Lotes 3 e 4, Asa Sul, Brasília/DF
Abertura:  18 de março, às 19h
Visitação: de 19 de março a 29 de junho de 2025
Horário: 9h às 21h (terça a domingo) 
Entrada Franca
Classificação indicativa: livre para todos os públicos
Acesso para pessoas com deficiência 
Informações: (61) 3206-6456 | site da CAIXA Cultural