Carlos Scliar – o método e a métrica

Roberta Amaral
05.nov.19

No segundo dia da série Os Quatro – Grupo de Bagé, o curador, jornalista e crítico de arte, Marcus de Lontra Costa destaca o legado de Carlos Scliar.

“As experiências do modernismo paulista, dos clubes de gravura e a construção de Brasília em pleno planalto central brasileiro, revelam uma “interiorização” que caracteriza o modernismo em nosso país.”

Por Marcus de Lontra Costa
Curador, jornalista e crítico de arte

Ao longo de seis décadas de produção ininterrupta e abundante, Carlos Scliar nos legou um extraordinário patrimônio cultural composto por suas gravuras, desenhos e pinturas. Talvez nenhum outro artista sintetize de maneira mais evidente os desafios, os desejos e os dilemas da ação e da estratégia modernista no Brasil.

Filho de imigrantes, homem da fronteira, desde cedo o nacionalismo é elemento que estrutura a identidade de Carlos Scliar. A sua sólida formação cultural e precoce sintonia com os anseios e as expectativas do mundo, surgido após a revolução socialista de 1917, garantem ao jovem destaque na imprensa e na vida intelectual da capital gaúcha. Diferentemente dos artistas brasileiros que tinham na França a sua referência e, muitas vezes, o seu espelho, Scliar compreendeu o espaço de construção artística moderna por meio dos filmes e gravuras expressionistas alemães. Toda a trajetória artística tem como origem a sua sensibilidade gráfica: clareza de composição, disciplina no processo artesanal, síntese de mensagem que faz de cada obra um meio de comunicação direta e efetiva com o seu público.

Após a segunda grande guerra, onde lutou como soldado contra o nazi-fascismo e realizou uma impressionante série de desenhos chamada “Cadernos de guerra”, Scliar retorna da Europa disposto a colaborar na elaboração de uma estética modernista mais humana e comprometida com a defesa planetária. Assim, ele retorna ao rio Grande do Sul e, juntamente com seus companheiros Danúbio Gonçalves, Glauco Rodrigues e Glenio Bianchetti, propõe um retorno à valorização técnica do desenho, a identificação de uma temática regionalista, dentro das propostas que fundaram os clubes de gravura
de Bagé e Porto Alegre.

Caminhando na contra-mão dos movimentos abstracionistas, esse patrimônio artístico de grande valor nem sempre foi compreendido pelo sistema de arte e pelos postulados modernistas tradicionais. Hoje, entretanto, novas leituras impostas pelo mundo contemporâneo dão a esse movimento o reconhecimento merecido, nele identificando aspectos inovadores não apenas em sua temática mas
também nas suas formulações estéticas e conceituais, inserindo-os dentro de um contexto específico que entende o modernismo brasileiro como um desafio particular, um discurso que se utiliza de um diálogo com nossas raízes culturais projetando-as para o futuro.

Assim, podemos afirmar que as experiências do modernismo paulista, dos clubes de gravura e por fim, a construção de Brasília em pleno planalto central brasileiro, revelam uma “interiorização” que caracteriza o modernismo em nosso país.

(Nesta quarta-feira, o escritor, compositor e publicitário fala sobre Danúbio Gonçalves)