Danúbio Gonçalves – consagração absoluta de uma vida à sua arte
Dando continuidade à série Os Quatro – Grupo de Bagé, Luiz Coronel destaca a obra de Danúbio Gonçalves, o último integrante do Grupo a falecer, em 21 de abril deste ano.
Por Luiz Coronel
Escritor, compositor e publicitário
Existe uma palavra pouco explícita, “bageensidade”, por certo de componente bairrista, mas nem por isso destituída de consistência. Em Bagé, acontece a República Rio-grandense e por aí marcham garbosos ou cômicos fatos insólitos, que se tornam cotidianos.
Embora já longo se faça meu andar, o Grupo de Bagé sempre esteve próximo de mim. Vejamos: minha irmã Maria Amélia fora uma espécie de secretária do grupo. Era uma jovenzinha, e em minha casa reclamava-se o seu atraso à hora das refeições, tão envolvida no trabalho daqueles rapazes
pintores, gravadores, artistas destinados à criação de um trabalho grandioso, no campo das artes plásticas.
No giro das roldanas do tempo, volta e meia retorna o enfoque valorizador do trabalho do grupo. E que não se faça desses momentos apenas um tilintar de taças, aplausos, exposições e palestras, tenha-se então como reflexão e impulso sobre a importância da arte e da permanência da obra de nosso
“quarteto triunfante” de Bagé.
Subo numa banqueta para proclamar que o Rio Grande é um estado ao sul de si mesmo. Somos em tudo iguais e em tudo diferentes dos demais brasileiros. Distância geográfica e fatores históricos nos levam a um distanciamento do qual somos vítimas e cúmplices. O Brasil convive com o Rio Grande por meio de seus símbolos e não por meio de sua pulsante realidade.
Glênio, dos murais palacianos; Glauco, conciliando o tradicional às vanguardas; Scliar, captando a poesia dos utensílios domésticos; Danúbio, o depoimento ágil e denso da vida nas charqueadas. Sempre reconheci a erupção dos movimentos transformadores como uma arregimentação da força criativa dos artistas, explodindo, vencendo barreiras, rompendo a casca, saltando para o meio do mundo. Com essa visão, deparo o Renascimento, após mil anos de sonolência medieval e, no caso brasileiro, a Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo. E, assim, o Grupo de Bagé, a Califórnia da Canção de Uruguaiana.
Dos componentes do Grupo de Bagé muito convivi com meu parceiro em livros e murais Danúbio Gonçalves. Ao despertar, pela manhã, minha governanta avisava: “aquele senhorzinho está esperando pra tomar um café com o senhor”. Era o silencioso, profundo artista Danúbio Gonçalves. Na modesta e acanhada cerimônia do adeus, coloquei minha cabeça entre as mãos, sentindo que partia um homem de mãos abençoadas e talento vigoroso. Danúbio Gonçalves – consagração absoluta de uma vida à sua arte.
Danúbio Gonçalves,
a eternização do instante
Ah, esse olhar atento,
preciso e rápido,
afiando lâminas
para revelar nas gravuras
a amarga plástica
das charqueadas.
Nas areias de Torres,
na geometria das cores,
os etéreos balões,
ramalhetes de flores
anunciando o outono.
As mulheres e o mar.
Seus pincéis revelam
o aroma da pele
e os cristais do suor.
Sob os céus marroquinos,
com mantos e turbantes
sua pintura se fez miragem.
Suas mãos revelam
as viúvas de Nazaré,
negros pássaros
da solidão, com suas
mortalhas de treva.
Danúbio descobre
a vida que habita
em cada segundo
e o eterniza…
(Nesta quinta-feira, a curadora e crítica de arte Marília Panitz fala de sua relação com Glênio Bianchetti)