Outdoor de Iberê Camargo, parte de projeto da Rede Brasil Sul em comemorações de Ano Novo, Porto Alegre, 1983.
Acervo Documental Fundação Iberê Camargo
Tombo F4864
“‘[…] Meu trabalho é uma homenagem a essas mulheres que lutam para gorar os ovos da morte que os Governos semeiam pela terra. […] Falo apenas em nome da vida e não na defesa desta ou daquela ideologia.
Empreguei velhos símbolos como a criação do homem segundo Miguel Ângelo, quando o Criador toca a mão da criatura com a vida, para lembrar que agora esse homem tem a capacidade de destruir o que foi criado. Não creio que essa preocupação com o holocausto nuclear seja coisa para gente do Primeiro Mundo, apenas. Nós, cidadãos de terceira classe do planeta, também vamos morrer quando uma das superpotências apertar aquele maldito botão.
Aqui no Brasil somos alienados, ficamos presos no grito de gol. Minha mensagem de Ano Novo não é de euforia, mas de preocupação. Posso ter sido panfletário, mas jamais omisso. A hora exige clareza. Não nasci para enfeitar o mundo. A Arte é para dizer algo profundo, a Arte é a voz do Homem.’
Um vigoroso apelo pela paz através da denúncia da corrida armamentista que está levando a Humanidade à beira do holocausto nuclear. É esta a temática do outdoor de Iberê Camargo, um dos 30 artistas gaúchos convidados por Zero Hora para participar da exposição que vai ser inaugurada nas ruas de Porto Alegre no dia 1º de janeiro de 1984, marcando o Ano Novo. A exposição gigante vai utilizar os espaços normalmente ocupados por mensagens publicitárias nos cartazes de três metros de altura por nove metros de largura espalhados na Capital.
Iberê (‘a rua é a tribuna do povo’, diz ele) dedica seu painel às mulheres pacifistas da Alemanha Ocidental que recentemente se acorrentaram umas às outras formando uma barreira humana para impedir a passagem dos mísseis nucleares Cruise, que os Estados Unidos estão instalando na Europa apontados para a União Soviética. […]”
Iberê fala do seu cartaz: “panfletário talvez, omisso não.” Zero Hora, Porto Alegre, 19 dez. 1983.
“A história mostra que tempos políticos nervosos não só cobram dos artistas alguma resposta e tomada de posição, como interrogam a própria arte sobre seu papel na sociedade.
Em 1983, quando o Brasil estava em agitação com o movimento que buscava o fim da ditadura e as eleições diretas, um projeto engajou um grupo de artistas a levar um pouco de arte às ruas de Porto Alegre. A iniciativa foi inovadora na cidade ao apresentar trabalhos artísticos em outdoors. Entre os participantes, estava Iberê Camargo, gaúcho reconhecido àquela altura como um dos grandes pintores brasileiros, que se reambientava em seu retorno ao Estado depois de décadas vivendo no Rio de Janeiro.
A organizadora da exposição artística em outdoors foi a jornalista Angélica de Moraes, que, como setorista da cobertura de artes visuais no 2º Caderno de ZH, buscou ela também dar uma contribuição ao clima político daquela época. […]
– O jornal preparava as comemorações de seus 20 anos e resolvi sugerir ao diretor de redação, Lauro Schirmer, uma exposição de outdoors artísticos para assinalar o início do ano comemorativo […].
O país vivia a ebulição da campanha das Diretas Já, e os artistas plásticos gaúchos estavam fortemente envolvidos em manifestações e passeatas. Todos os artistas tiveram total liberdade de tema. A maioria fez trabalhos que aludiam à campanha das Diretas. Iberê já apoiava essa causa e usava um macacão dos postos de gasolina Ipiranga com o logo da empresa, nas costas, transformado por ele no slogan ‘Grito do Ipiranga Já’. Mas sua primeira experiência em arte urbana tratou da paz mundial. […]”
DALCOL, Francisco. Exposição resgata envolvimento de Iberê com a agitação política dos anos 1980. Zero Hora Digital, Porto Alegre, 8 abr., 2016. Disponível em: <http://zh.clicrbs.com.br/rs/entretenimento/noticia/2016/04/exposicao-resgata-envolvimento-de-ibere-camargo-com-a-agitacao-politica-dos-anos-1980-5757346.html>. Acesso em: 06 mai., 2016.