Reprodução fotográfica da pintura “Painel com garrafas”, 1957.
Acervo Documental da Fundação Iberê Camargo
Tombo S0661
“[…] Iberê apresenta agora uma obra inesperada, na qual a explosão do temperamento predomina sobre meios e recursos pictóricos abundantes, ecleticamente empregados. A experiência pessoal, de que nos dá mostra ali, é de profundo interesse, humano e artístico. […] A forte individualidade de Iberê, presa de profundos impulsos autodestrutivos e anárquicos, está em luta contra os preconceitos estabelecidos, contra a ordem das coisas e, sobretudo, a tirania imemorial da realidade objetiva. A ordem natural ou compositiva dos objetos, ele já não a crê nem necessária, nem inexorável, nem intocável. […] Como uma espécie de fase final da pintura dita figurativa. Por isso, faz ele questão de escolher, para temas, os objetos mais quaisquer, mais insignificantes, garrafas, potes, carretéis. Pela quantidade e pelo tamanho imenso das garrafas, ele as coloca numa perspectiva nova. Ora, como esta não é dada por meios propriamente pictóricos, isto é, não é nem geométrica nem aérea, mas simplesmente quantitativa dimensional, pode-se, então, dizer que se trata de uma escala hierárquica, representativa de valores morais, ou pelo menos psíquicos. Iberê afirma, em suas telas, que qualquer troço é, hoje, no seu mundo artístico, tão digno de consideração, ou mais digno ainda, que a efígie de um rei, a solenidade de um ato histórico ou qualquer outra coisa de igual importância.
A ordem de apresentação das coisas também já não lhe importa, pois de qualquer modo que os objetos se coloquem à sua frente para que os pinte, serve. Note-se nisso uma vontade de revolta anticompositiva. Ele quer dar também às cores um tratamento pessoal seu, libertando-as da escravização ainda naturalista da cor local. E transfere para roxos, azuis, verdes, vermelhos ou amarelos objetos ou coisas que sob esses tons jamais são vistos ao natural. […] A cor desloca-se independentemente das veleidades do pintor, para mostrar-lhe que ela, também, não se amolda à vontade subjetiva dele. […] Nessa violentação dramática do natural, não há ainda uma visão integradora, a surgir do caos, embora aqui e acolá apareçam pedaços de um mundo plástico ainda por nascer, ainda indeciso quanto à lei interna no que se vai reger, seja a da pura forma ou do ritmo. […]”
PEDROSA, Mário. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 7 jun. 1958. Reproduzido em PEDROSA, Mário. Acadêmicos e modernos: textos escolhidos III. Org. Otília Arantes. São Paulo: Edusp, 2004.