Iberê Camargo: as horas [o tempo como motivo]

Curadoria

Lorenzo Mammì

29.mar

09.nov.14

Entre o fim da década de 1970 e a primeira metade da de 1980, a arte de Iberê Camargo passa por transformações importantes. A composição de suas telas se torna mais descontínua e passa a se caracterizar pela justaposição de elementos que remetem às suas fases anteriores: carretéis, dados e, pela primeira vez desde os anos 1950, figuras humanas – na maioria dos casos, autorretratos. Tais figuras são a novidade mais evidente e a que mais chamou a atenção na época. Mas elas se inserem numa reconfiguração geral do espaço pictórico.

Na fase anterior, dados e carretéis eram pontos de referência que permitiam organizar uma matéria em movimento constante, como redemoinhos numa correnteza. Agora a composição é mais estática, e as figuras parecem emergir de um fundo lamacento. Entre elas, o autorretrato é apenas mais uma imagem, uma lembrança entre outras. Mas é também o alter ego do artista que às vezes olha para trás, para os motivos de suas antigas pinturas, às vezes nos encara, às vezes se espelha na sua própria imagem, com certo susto ou horror. Não raro, é inscrito num retângulo, como um retrato, ou reduzido à máscara.

Ressurge também o tema clássico do pintor e da modelo, espelhamento entre o artista e seu objeto (de representação e de desejo). E acontece também de o perfil da modelo aflorar, entre carretéis, dados e autorretratos, do monturo da memória (Hora IX).

O espaço do quadro, enfim, se torna o lugar onde a memória se solidifica, e o tempo se achata no plano do presente. O ato de pintar adquire circularidade: ao mesmo tempo em que produz imagens, é uma reflexão sobre a capacidade de produzir imagens (ou a sina de ser invadido por elas). Não por acaso, nessa época, Iberê retoma o interesse pela literatura, reunindo contos antigos e novos no volume No andar do tempo, publicado em 1988.

É no começo da década de 1980 que Iberê, já quase septuagenário, alcança sua plena consagração. Uma nova geração de artistas, que protagonizava então a chamada “volta à pintura”, o reconhece como mestre indiscutível, o que melhor identificou as características do campo pictórico contemporâneo: um espaço dilacerado, fragmentário, abarrotado de ruínas do passado.

Lorenzo Mammì

 

Imagem: Vista parcial da exposição “Iberê Camargo: as horas [o tempo como motivo]”, que esteve em cartaz na Fundação Iberê Camargo de 29 de março a 09 de novembro de 2014. Foto © Camila Cunha

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