Lucas Arruda: Lugar sem lugar
Curadoria
Lilian Tone

02.out
06.fev.22
Construídas a partir de camadas de tinta sobrepostas, escovadas, arranhadas, esfregadas, por vezes as pinturas de Lucas Arruda invocam o gênero paisagem usando tão somente a sugestão de uma linha de horizonte. É ela, afinal, que constitui o recurso fundamental da tradição pictórica, uma espécie de menor denominador comum paisagístico. Como espectadores, tendemos a atribuir sentido a qualquer marquinha num espaço aberto, a imediatamente interpretar uma linha horizontal como um horizonte, a enxergar nuvens nas mudanças de direção de pinceladas, ou a ver um chão de terra numa camada grossa de impasto. As pinturas realizadas por Arruda nos permitem ver, ao mesmo tempo, um pouco além da abstração e antes da figuração.
Pode-se dizer, grosso modo, que Lucas Arruda vem há uma década depurando de maneira quase ritualística um mesmo tema: a ideia de paisagem como construção do olhar. Os trabalhos da série Deserto-Modelo sugerem lugares desprovidos de referências geográficas, mas que se edificam na memória, evocando vistas da natureza, marinhas, e de matas. Muito embora nossa experiência diante dessas obras seja permeada por associações pessoais, narrativas indiretas e conotações artísticas históricas, elas nos falam, sobretudo, do fenômeno sensual e sensorial da pintura. Entre as pinturas recentes estão monocromos, elaborados a partir de sucessivas camadas de tinta, ao longo de vários meses, e que deixam ver o suporte do linho nas bordas.
A insistente frontalidade, a linha do horizonte e a paleta contida de Arruda permeiam os diversos trabalhos aqui reunidos, que abrangem quatorze anos da produção: desde pinturas iniciais até as realizadas neste ano, como também o vídeo e a instalação de luz presentes na mostra. São trabalhos silenciosos, caracterizados por uma luminosidade insólita e sutil que se revela aos poucos, recompensando uma observação prolongada. Entre o devaneio e a qualidade tátil da aplicação da tinta, fica evidente a habilidade extraordinária de Arruda como pintor. A incansável experimentação pictórica de suas pinturas é comovente, especialmente quando observadas ao vivo.
Lilian Tone
Imagem: Lucas Arruda. Sem título, da série Deserto-Modelo, 2020. Foto © Everton Ballardin












