FestFoto 2023 – uma reflexão social na Fundação Iberê
#envolvimento #curadoriasemfiltro
O registro da memória dos sobreviventes da Boate Kiss e de pessoas próximas das vítimas, um dos destaques do FestFoto, será apresentado ao público pela primeira vez. Exposição pode ser visitada de 5 a 20 de agosto
No dia 5 de agosto (sábado), a Fundação Iberê recebe mais uma edição do Festival Internacional de Fotografia de Porto Alegre – FestFoto 2023. Neste ano, o conselho curatorial optou por trabalhar com uma proposta sem provocação temática como ponto de partida para desenvolver um tema. Essa curadoria sem filtro possibilitou radicalizar a escuta das práticas artísticas recentes e resultou em uma mostra que reúne do documental ao uso de inteligência artificial em trabalhos marcados pela performatividade e ficcionalização da narrativa fotográfica.
São mais de 200 trabalhos em exposição, entre fotografias e vídeos, divididos em três núcleos. Artistas convidados apresenta mostras individuais de José Diniz, Flávio Edreira e Luciana Brito, cujas trajetórias vêm sendo acompanhadas ao longo de várias edições do FestFoto.
Diniz ocupará duas salas com a exposição Pau Brasil. A mostra reúne 53 obras sobre a pesquisa que o artista vem realizando sobre biomas brasileiros há mais de uma década. Entre fotografias, vídeos, monotipias, colagens e livros artesanais, Diniz resgata a história da árvore fundadora do Brasil – curiosamente pouco conhecida por ter sido extirpada da Mata Atlântica entre os séculos 16 e 19.
Metaforicamente, seu trabalho reflete sobre aspectos do poder e da opressão ao discutir as sofridas imposições sociais e culturais do período colonial e pós-colonial. Ao mesmo tempo, traz à tona o descaso com as questões ambientais dos dias atuais. O resultado obtido revela o olhar crítico do artista, que revive poeticamente as travessias transatlânticas para promover um entendimento mais profundo de alguns aspectos de nossa sociedade. Seus comentários levam a lugares distintos em temporalidades cruzadas, atualizando temas polêmicos e oficialmente esquecidos. No fluxo e refluxo da imaginação, a tinta virou cor no papel, o papel virou livro, o livro virou poesia espraiada em imagens. A brazilina que tingiu o tecido converteu-se em bandeira, símbolo inequívoco de resistência do autor.
O Fotograma Livre traz os dez finalistas da convocatória internacional realizada pelo FestFoto, e o Ateliê FestFoto apresenta obras desenvolvidas no programa continuado de desenvolvimento de projetos fotográficos.
As artistas Luciana Brito e Reisla Oliveira apresentam uma autoperformance para abordar a condição das mulheres negras no Brasil, enquanto Ana Leal usa a inteligência artificial para a construção de imagens e Angela Plas explora o Guaíba. Outro destaque é a ficcionalização no trabalho com performance de Marc Lathuilliere (FR).
Mostrando a França como um museu, a série de Lathuilliere expõe um país cujo povo, receoso do futuro, se define, cada vez mais, em termos de património e memória. O trabalho explora a construção de identidades individuais e nacionais em uma era de turismo global. O Musée National reúne mil retratos contextuais de francesas e franceses que usam uma máscara idêntica, desenvolvida ao longo de quinze anos. Desfigurando e congelando os sujeitos, a máscara lança uma luz estranha sobre o que os rodeia, revelando os estereótipos sobre os quais constroem as suas vidas: vestuário, mobiliário, arquitetura, paisagem, rituais profissionais ou cotidianos. O projeto foi apresentado também em centros de arte contemporânea da Alemanha e Áustria.
Onde você estava no dia 27 de janeiro de 2013?
Passados dez anos do incêndio da Boate Kiss, em Santa Maria (RS), ninguém foi condenado criminalmente pela tragédia que matou 242 pessoas e feriu mais de 600. Dos 28 indiciados por envolvimento direto e indireto – entre donos da boate, integrantes da banda, funcionários da prefeitura e até bombeiros –, apenas quatro foram levados a julgamento.
Em agosto do ano passado, os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça gaúcho anularam o júri que havia condenado, meses antes, os réus: os sócios da boate Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, o músico Marcelo de Jesus dos Santos e o auxiliar de palco Luciano Bonilha Leão.
Enquanto esperam por justiça, a busca pela memória da tragédia da Kiss é uma das mais fortes bandeiras de luta de sobreviventes, pais, amigos e familiares de vítimas. Esse é, também, o objetivo do projeto “Fotografar para lembrar”, coordenado por Ricardo Ravanello.
“Meus trabalhos autorais possuem duas linhas temáticas, em uma persigo uma leitura estético-criativa do mundo, das emoções e das subjetividades humanas. Em geral, essas imagens são produzidas com maiores intervenções, produzindo cenas que são estranhas à forma como vemos naturalmente o mundo. Em outra, estão as imagens mais próximas de uma linguagem documental, onde apresento minhas fotografias de caráter crítico-narrativo, resultado e expressão da minha visão política sobre a realidade”, explica.
Neste projeto, ele optou pelo uso colódio úmido, técnica que surgiu nos anos 1850 e exige uma preparação maior para a execução da imagem. A escolha pela técnica teve algumas motivações que, segundo o professor, foram descobertas na medida em que ele pesquisava e estudava sobre processos antigos de fotografia. Uma delas é que fotografar com colódio úmido é um processo lento de execução. Enquanto preparava o equipamento e explicava como seria feito, sobreviventes, pais, familiares e amigos de vítimas e profissionais que trabalharam envolvidos com o incêndio ou com suas consequências contavam suas histórias. Essa lentidão permitiu que as pessoas se revelassem.
“Cada fotografia é absolutamente única, como era a vida das pessoas que se foram. Conforme o corte da câmera, às vezes, pega no braço e aí tu não sabes se ali tem uma queimadura da pessoa ou é uma borda do processo. Elas se fundem, se misturam”, explica Ravanello.
Ele conta, ainda, que, quando as fotografias foram digitalizadas e ampliadas, um outro elemento se tornou visível: “Quando olhamos de perto as imagens ampliadas, o claro e escuro, parecem ser formados por uma fuligem, parece a fuligem que sobra como resto de um incêndio.”
Artistas participantes do 16º FestFoto
Alessandro Celante (Jundiaí, Brasil) – FURYO Utopias Possíveis
Alexandre Berner (Petrópolis, Brasil) – Pedras Pretas – Black Friday
Ana Sabiá (Florianópolis, Brasil) – Caligrafias
Ana Leal (São Paulo) – Sem regras
Andrea Bernardelli (São Paulo, Brasil) – ENTANGLEMENT
Angela Plas (Porto Alegre, Brasil) – O rio que se alarga
Caio Clímaco (Rio de Janeiro, Brasil) – Ara’puka peró – Armadilha de branco
Creusa Muñoz (Argentina) – La piel de la terra
Daniela Pinheiro (Brasília, Brasil) – A luz que revela a imagem é a mesma que a apaga e movimenta
Flávio Edreira (Goiania, Brasil) – I Forget to remember
José Diniz (Rio de Janeiro, Brasil) – O Pau-Brasil
Juliana Freitas (Santana do Livramento) – Nair
Luciana Brito (Salvador) – Interrogação
Marc Lathuilliere (França) – Musée National (National Museum)
Mari Gemma (Cuiabá, Brasil) – Etnobotânica daninha
Marisi Bilini (Frederico Westphalen) – A mãe morta
Reisla Oliveira (Belo Horizonte, Brasil) – Embrenhar-se no incolor
Ricardo Ravanello (Santa Maria, Brasil) – Retratos da tragédia
Virna Santolia (Rio de Janeiro, Brasil) – Capilaridade
SERVIÇO
FestFoto 2023
#envolvimento #curadoriasemfiltro
Abertura: 5 de agosto de 2023
Visitação: até 20 de agosto de 2023
Horário: quinta a domingo, das 14h às 18h | Às quintas, a entrada é gratuita; de sexta a domingo, o ingresso custa entre R$10 e R$ 30
No dia da abertura, a entrada é gratuita