Glauco Rodrigues – antropófago de si
Por Zeca Brito
Cineasta
Glauco Rodrigues foi um gaúcho de Bagé que reinventou o Brasil. Um dos arautos da modernidade sulista, desenhista e gravador do “Grupo de Bagé”, foi também grande pintor e um dos maiores ilustradores e designer gráfico do país. Na pintura, hoje encontra seu apogeu historiográfico no cenário internacional, com obras expostas recentemente na Bienal de Istambul, Tate Gallery e na École des Beux Arts de Paris. Elaborou um vocabulário que resgata a iconografia histórica e que recolhe todos os fragmentos esquecidos de passado e presente para escrever um alfabeto brasilianista e provocador.
No auge da ditadura militar, produziu suas mais expressivas pinturas de raiz crítica e política. O discurso não verbal, mas de potência visual, se expressa como mensagem ao futuro e pode também nos revelar o resultado de pactos sistêmicos. A causa, a raiz política e crítica, se potencializa em “camuflagem”. Glauco adentra na selva, se esconde entre penas e folhas de bananeira, mas é certeiro no tiro, na leitura da sociedade com que pactua. O trânsito é questão fundamental para pensarmos a poética de Glauco. Trânsito que estabelece diálogos com a história e com o tempo, seja ele cronológico ou diacrônico. Um
trânsito com idas e vindas, da cópia autodidata ao domínio do desenho de observação e
perspectiva, de um Realismo Crítico para uma poética abstrata.
De artista figurativo negado pelos abstratos nos anos 1950 a artista abstrato consagrado na Bienal de Veneza em 64. De artista abstrato a artista pop, do Pop futurista ao Tropicalismo Crítico. Dos objetos infláveis aos mapas em madeira, das serigrafias aos objetos em acrílico. Da pintura de cavalete aos estandartes.
O trânsito entre o fundo vazio e branco na ditadura e o fundo colorido e carnavalesco na democracia. O trânsito dentro de seu próprio repertório, palhetas e personagens, voltando a ser realista, abstrato, minimalista ou o que quisesse ser, como um antropófago de si.