Humanidade, semelhança e afeto pelo olhar da fotógrafa Ilana Bar no FestFoto 2020
“Geralmente, quando dizemos que algo é belo, temos um ‘padrão’ pessoal que nos agrada – no caso da arte, um filme, concerto, pintura que nos dá uma sensação agradável. Mas também podemos nos encantar com a profundidade da alma humana”. (Carla Gullo, filósofa)
Quando os gêmeos com Síndrome de Down Antônio e Carlos nasceram, há 64 anos, o médico disse à família que eles não passariam dos 16. Três décadas depois veio Taerê com a mesma síndrome. Toninho faleceu há pouco mais de um ano. Carlos e Taerê seguem a vida tranquilos no sítio da família, em Atibaia, interior de São Paulo, com uma rotina e funções bem específicas dentro de casa: arrumam a própria cama, põem a mesa, secam a louça, ajudam com a horta, com o jardim, alimentam os animais.
Nesse universo de cuidado e muito amor cresceu a fotógrafa Ilana Bar, sobrinha dos gêmeos e irmã de Taerê. Ainda muito nova, tomou gosto pela fotografia. Os primeiros cliques foram feitos em casa, com os pais, os irmãos, os tios e depois com o sobrinho. De alguma forma, ela tentava se incluir nas próprias imagens. Afinal, é membro da família e representa ali o universo feminino dos Bar.
Espontâneas ou posadas, com a direção pontual da artista e em coautoria dos fotografados, os retratos só aconteceram pela intimidade. São composições que remetem aos afetos diários. O trabalho de Ilana propõe que o observador entre no universo afetivo da família, entremeando-se entre a dimensão onírica e a realidade. Ela provoca uma reflexão sobre o verdadeiro significado de “beleza”.
A Síndrome de Down não é o tema específico de sua mostra no FesFoto 2020, e, sim, as relações humanas estabelecidas. A autora utiliza da fotografia para manifestar um universo afetivo e poético. Esse deixar-se ver, íntimo e sincero, é uma reflexão humana sobre vida, beleza, diferença e afeto.
“Comecei a fotografar pela experiência mesmo. A nossa casa é o lugar perfeito para experimentar, onde se pode errar, analisar, tentar de novo, insistir. E, aos poucos, fui percebendo que gostava de representar a intimidade, os afetos. E isso foi tomando forma de maneira orgânica. No meu trabalho misturo o sonho e a realidade, o cotidiano e a ficção. É dessa mesma maneira que a memória humana trabalha, toda história tem vários ângulos e várias versões. Nada há uma verdade absoluta. E até mesmo a ficção tem um fundo de verdade”, destaca.
Formada em fotografia pelo Centro Universitário Senac de São Paulo, os projetos e pesquisas de Ilana Bar venceram o 8º Festival Internacional da Imagem Fotográfica de Atibaia (2010) e o Prêmio Nacional de Fotografia Pierre Verger (2017). Em 2018, foi contemplada com o Verzasca Foto Awards, premiação Suíça.