Iberê Camargo materializado por Álvaro Siza

13.abr.20

“Eu não faço arquitetura com o objetivo de fazer algo diferente, de fazer algo novo. Certas coisas acontecem, e elas são construídas sobre uma base que tem de ser muito mais forte do que o desejo do arquiteto enquanto ser humano”.
Álvaro Siza

O Museu de Arte Contemporânea de Serralves, em Portugal, apresentou recentemente a exposição Álvaro Siza – In/Disciplina, em homenagem aos 86 anos do arquiteto e à obra do primeiro português a conquistar o prêmio Prtizker, considerado o “Nobel” da arquitetura.

In/Disciplina apresentou 400 desenhos e 30 projetos ilustrativos – alguns jamais saídos do papel – ao longo de seis décadas, desde a primeira construção de um conjunto de casas em Matosinhos (1954) até ao arranha-céus que assinou recentemente, em Nova Iorque. O material incluiu maquetes, fotografias, plantas e esboços de obras, como o Pavilhão de Portugal (Lisboa), o famoso prédio Bonjour Tristesse (Berlim) e a Fundação Iberê (Porto Alegre).

A Fundação é o único trabalho de Siza no Brasil e de efetivo impacto internacional desenvolvido a partir de 1998. Implantado num terreno de uma antiga pedreira desativada, às margens do lago Guaíba, o edifício tornou-se uma das imagens referenciais da cidade.

Sua arquitetura capta o espírito angustiado e complexo de Iberê Camargo, materializado na espacialidade interna labiríntica de passarelas suspensas, em contraste com a abertura e regularidade das salas expositivas. O caráter expressionista e sombrio das obras do artista contrastam com a brancura do espaço. A escolha de Siza veio ao encontro do artista.

“Siza captou muito bem a personalidade do homenageado, conseguindo materializar em forma arquitetônica toda a angústia de Iberê. Só que, como num gesto de mútuo acordo, para não entrar em conflito com o dono da casa, fez isso em tons de branco e a uma distância respeitosa de suas telas. O edifício, nesse sentido, é praticamente dividido em dois. De um lado a complexidade e a tensão das formas, a ‘metáfora do labirinto’, e, de outro o ‘cubo branco’, o lugar onde repousam as carregadas telas de Iberê”.
Flávio Kiefer, arquiteto

O centro cultural era o sonho de Iberê
Por toda a vida, Iberê Camargo e sua mulher Maria tiveram todos os cuidados para que as obras perpetuassem intactas. Trataram de formar uma coleção completa, documentaram cada passo, chamaram bons fotógrafos e deixaram todas as pistas para uma boa reconstituição biográfica.

O sonho de ter a própria Fundação estava delineado antes mesmo da morte do pintor, em 1994, e sua viabilização foi muito rápida. No ano seguinte já ocupava a casa-atelier de Iberê, no bairro Teresópolis. Artistas convidados mantinham a prensa de gravuras funcionando, curadores selecionavam obras para expô-las na “casa-fundação” e pesquisadores, curadores e críticos foram envolvidos em um processo de pesquisa, catalogação e discussão dos destinos do centro cultural.

Siza chegou a Porto Alegre, em maio de 2000, com a maquete do projeto pronta. “Temos que trabalhar como um alfaiate aqui”, disse o arquiteto na época, ao se referir à necessidade de ajustar um espaço museográfico condizente com as obras de Iberê. O terreno que abriga a fundação também era outra dificuldade para Siza: “Estou trabalhando numa parte muito especial da cidade, com uma vista belíssima para o Guaíba, em um terreno localizado na encosta com vegetação e que tem que ser ocupada por um edifício por não dispor de muito espaço. Isso criou uma grande dificuldade no projeto. Mas os projetos se desenvolvem melhor a partir de grandes dificuldades”.

Nesses 8.250 m² de área total, a construção de Siza também faz questão de reforçar a importância do entorno, com janelas emolduradas para o Guaíba como se fossem quadros vivos. A indicação do arquiteto é que os visitantes subam de elevador ao quarto andar assim que chegam ao museu. De lá, a própria construção irá guiar a visita e os andares devem ser descidos por rampas que entram e saem do corpo do edifício como se fossem braços. “O resultado final é uma atmosfera normativa igualitária que, em virtude do seu acabamento material discreto, declara a sua acessibilidade para a sociedade”, destaca Kiefer.

Siza: 86 anos em plena atividade
Considerado um dos nomes mais aclamados do mundo da arquitetura, Álvaro Joaquim de Melo Siza Vieira nasceu em 25 de junho de 1933, na cidade de Matosinhos, em Portugal. No início dos anos 1950 se mudou para o Porto para estudar na Escola Superior de Belas Artes. Paralelo à faculdade, realizou outro sonho: abrir seu próprio escritório e dar início a projetos residenciais de pequeno porte.

A paixão pela arquitetura e ao ensino são dois pontos fortes na vida de Siza. Seu currículo como professor inclui as universidades de Porto, Harvard, no Estados Unidos, a Universidade dos Andes, na Colômbia, na Escola Politécnica de Lausanne e outras instituições consagradas ao redor do mundo.

Estamos falando de um dos principais arquitetos do século 20 e que, até hoje, aos 86 anos, assina projetos e grandes realizações. Um dos aspectos interessantes da trajetória de Siza é seu interesse inicial pela escultura. Compreendida por muitos como uma continuidade do que foram o pensamento e o princípios do modernismo, é realmente possível perceber em sua obra a influência de um dos grandes do movimento moderno: o arquiteto e designer Alvar Aalto (1898 – 1976).

Rotulado como um arquiteto moderno e orgânico, Aalto sempre fez questão de incorporar um elemento da paisagem e da tradição de seu país em sua obra: o uso da madeira, muitas vezes reciclada, tanto nos móveis como nas edificações.

“O melhor comitê de padronização é a própria natureza, mas nela a padronização se dá principalmente, ou quase exclusivamente, no campo dos menores elementos possíveis. Quer dizer, nas células. O resultado são milhões de combinações flexíveis onde não cabe o estereótipo. Outro resultado é a imensa riqueza e a variedade inesgotável das formas de crescimento orgânico”.
Alvar Aalto

Impossível definir a arquitetura de Álvaro Siza. Ela é, simultaneamente, moderna e tradicional, ao mesmo modo que apresenta uma sensibilidade em relação ao lugar onde se encontra.

As palavras não são suficientes, sua obra necessita de experiência humana. Como os primeiros modernistas, suas formas, moldadas pela luz, tem uma simplicidade. Se uma vista é desejada, uma janela é feita. Escadas, rampas e paredes, tudo parece ser predestinado num edifício de Siza. Esta simplicidade é revelada como uma grande complexidade. Há um domínio sutil sublinhando o que parece ser uma criação natural.