sem título, 1941
grafite sobre papel
20,5 x 21,7 cm
Acervo Fundação Iberê
Tombo D0310
Foto © Fábio Del Re_VivaFoto
“Hoje, o Riacho é um curso d’água comportado, despoluído, de águas claras, que caminha entre margens retificadas e, provavelmente, sobre leito de saibro. Foi submetido às exigências urbanísticas. A Ponte de Pedra, sua irmã, agora fora do contexto, tornou-se intrusa. Estranho ver edifícios históricos (tombados) engolidos por modernas estruturas que os fazem parecer cadáveres em sarcófagos. Essa hibridez vem do desamor pelo velho e da avidez de lucro. As contínuas reformas na nossa cidade – a cidade é a nossa casa – nos transformam em forasteiros. O progresso é uma ação de despejo em execução. Por isso, um belo dia, na temida velhice, sentimos a incontida vontade de voltar a nosso pátio, para reaver as nossas coisas que lá deixamos.
Procuramos, nesse retorno, o velho cinamomo que nos fornecia a munição – seus pequenos frutos – para as nossas guerras, a velha laranjeira onde tantas vezes nos encarapitamos, brincando de esconder, e, enfim, as coisas que compunham nossa paisagem. Aí sentimos vontade de abraçá-las, de beijá-las, de chorar e de fazer como os gatos, que alçam a cauda e ratificam a posse. Mas aí percebemos assustados que o gato não tem mais força e que as coisas não estão mais.”
CAMARGO, Iberê; MASSI, Augusto (org.). Gaveta dos guardados: Iberê Camargo. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 102-103.