sem título, 1990
tinta de esferográfica, nanquim e guache sobre papel
34 x 23 cm
Acervo Fundação Iberê
Tombo D0890
Foto © Fabio Del Re_VivaFoto
“O trabalho de Iberê Camargo foi, desde o início, uma luta para aceder a plena dimensão da pintura, como a concebe a tradição ocidental a partir do renascimento, num país onde ela praticamente inexistia. Em certo sentido, portanto, sempre aspirou à condição de pintura culta. A sua vocação moderna só lhe seria acessível às custas de um embate profundo com a tradição. Compreender Picasso, por exemplo, implicava estudar e absorver as lições de Velásquez. A vontade de refazer radicalmente a pintura, que de certo modo anima todo grande pintor, significava inevitavelmente um processo histórico. Quer dizer: para o pintor da verdade do EU, o adepto da lírica da angústia pessoal e da independência solitária, tipicamente moderna, a afirmação de sua condição irredutível de artista passava pela árdua conquista da universalidade por parte de um sul-americano. A integridade, a intransigência, até que caracterizavam a sua obra, começam pelo reconhecimento lúcido de sua origem singular, lateral, que exige um esforço ininterrupto de aculturação. E isto exatamente para garantir ao seu transe pictórico, avesso a todo e qualquer compromisso, o direito de cidadania no mundo da arte. O seu destino expressionista ganha assim um caráter agonístico ainda mais pronunciado — só através da atualização mais e mais acirrada do próprio real da pintura é possível alcançar a liberdade de pintar por si mesmo.
A busca pela verdade da pintura coincide naturalmente com a ânsia por uma verdade humana. […]
Nem símbolos, muito menos caricaturas, nem mesmo personagens, os Ciclistas de Iberê Camargo talvez sejam finalmente criaturas, na acepção básica e elementar do termo. É legítimo até especular se não estaríamos frente a uma das últimas grandes formulações plásticas da noção de Figura. […]”
BRITO, Ronaldo. Iberê Camargo. DBA Artes Gráficas: [São Paulo], 1994. p. 49-55.