sem título, 1978
guache sobre cartão
51,1 x 73 cm
Acervo Fundação Iberê
Tombo D1180
Foto © Rômulo Fialdini
“[…] Nada mais profundo do que a superfície do mundo, alertava Camus. Nesse sentido, os carretéis me parecem um emblema plástico casual perfeito para designar nossa condição imperfeita de seres atirados ao real – a sua esquisita simetria, a sua instabilidade elementar, acresce o essencial buraco negro de sua profundidade. Buraco que, em geral, salta abrupto aos olhos, assinalado frontalmente pelo gesto nervoso e pelo óleo espesso, expletivo eloquente a pontuar o discurso inflamado dos quadros. O que anunciaria ele senão a angústia e a volúpia da redescoberta incessante da profundidade? Eis o que, longe da tradicional elevação sublime ao infinito, nos incita a estreitar nosso contato ansioso com a matéria multiforme do real para experimentá-lo de modo mais íntimo.
Os carretéis foram se <u>trans-formando</u> assim em agentes catalisadores, núcleos propulsores de espaço. Através da investigação sistemática de sua morfologia ambígua cumpria-se o ideal cubista da interação completa entre figura e fundo. Mas, ao invés de proceder à dedução analítica dos componentes da Forma ou promover a síntese entre planos múltiplos, o transe expressivo de Iberê preferia recorrer dramaticamente às contrações, distorções e expansões dos perfis da figura até ‘tomar’ o fundo e magnetizá-lo. Ora pela propagação de energia plástica, ora inversamente por seu poder de concentração, a malha cubista tendia a fechar-se graças à própria abertura voraz das figuras e sua capacidade de imprimir ao espaço a sua forma – a operação não consistia obviamente em pintar carretéis no espaço e sim transfigurar o espaço em carretel.”
BRITO, Ronaldo. Iberê Camargo. DBA Artes Gráficas: [São Paulo], 1994. p. 74.