Estrutura em movimento (2), 1962
água-tinta (crayon litográficoe lavis)
29,7 x 59 cm
Acervo Fundação Iberê

Tombo G098-3

Foto © Fabio Del Re_VivaFoto

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“Um conjunto de sete gravuras, intituladas Estrutura em movimento, é elaborado simultaneamente às Fiadas de carretéis da pintura de Iberê, entre 1961 e 1962. Esses óleos e sua gravura continuam a expor o movimento ritmado dos carretéis no espaço, presente em obras anteriores. Esses objetos agora se alinham em uma cadência horizontal e vêem-se imersos em obscuridade. Os óleos são quase inteiramente negros e suas superfícies carregadas de matéria pictórica. As gravuras, do mesmo modo, impregnam-se da profunda escuridão, gerada pelo adensamento de tramas, modulações de água-tinta a pincel, rebaixamento com ácido, aplicação do breu; mas áreas esfumadas destacam-se dessas mais densas por meio do emprego do lavis, uma escolha de Iberê para conquistar balanço também na irradiação da luz.
[…]
Essas gravuras situam-se entre as mais representativas da obra gravada de Iberê, e não apenas pelo histórico de sua circulação no mundo da arte. Elas representam o período de maturidade no domínio técnico e nas densas cargas de expressividade. A tensão, sempre crescente na produção do artista, atinge nesse momento o ápice: do âmago dos espaços sombrios dessas gravuras provêm sinistros movimentos sinuosos. Tremulam os carretéis, mas também ondula o abismo de onde eles vieram. ‘O drama, trago-o na alma’, declara o artista. E esse sentido trágico tem origem em sua crise de sujeito, pois ‘um indivíduo pode descer fundo em si mesmo, mas no fundo sempre há sombras, há mistérios que ele não pode desvendar’. Essas obras parecem interrogar precisamente o lugar dessas sombras e os mistérios ocultados sob superfícies de luto, como referiu Mário Pedrosa.
Supõe-se que a idéia de luto mencionada pelo crítico possa ser carregada de um sentido mais profundo que a perda de algo a qual ele se refere. Pelo tipo de concepção e tratamento espacial dessas gravuras em relação aos planos eventualmente iluminados dos ‘carretéis’, desvenda-se um campo de forças. O modo como Iberê trata as relações dentro do próprio espaço dessas gravuras, sua descontinuidade pelas forças que emergem do fundo das trevas, a negação a sua visibilidade positiva (o que também ocorre na pintura) fazem pensar em outra posição do sujeito assumida por Iberê. As obras, nesse grupo de gravuras, deixam a extensão contínua da representação tradicional. Trazem, ao contrário, instabilidade, o sentido de agonia, a recusa à fixidez, pois sua força reside em uma insurreição perpétua, aquela que Iberê levará até sua última obra.
Sob essa perspectiva, Estruturas em movimento são gravuras que, se examinadas atentamente, revelam os angustiados traços de um pensamento dissociado de qualquer vestígio humanista dos primeiros esboços do artista. Alcançam agora, muito além de uma expansão, as energias fatais da alma, a realidade fatídica do sujeito em crise.”

ZIELINSKY, Mônica. Iberê Camargo: catálogo raisonné. Cosac Naify: São Paulo, 2006. p. 93-95.