Tudo te é falso e inútil IV, 1992
óleo sobre tela
200 x 236 cm
Acervo Fundação Iberê

Tombo P033

Foto © Fundação Iberê

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“Não participo de paradas de sucesso, não pertenço a grupos. Vivo recolhido. Não me importo em saber de que lado sopra o vento. Sou quem sou, faço o que faço. Sempre me interessei pelo homem, pelo meu semelhante. Na arte como na vida tenho meus valores. Se a estrada é lamacenta, arregaço as calças e escolho o caminho. Ouçamos Fernando Pessoa: ‘Tudo te é falso e inútil’.”

LAGNADO, Lisette. Conversações com Iberê Camargo. São Paulo: Iluminuras, 1994. p. 52. (Fala de Iberê Camargo).

 

Tudo te é falso e inútil é o nome de uma série de obras dos anos 90 que toma seu título e inspiração de um poema de Fernando Pessoa. Vem, noite antiquíssima e idêntica, é o poema em que a noite, sábia e eterna, que viu nascer os deuses, sorri porque tudo lhe é falso e inútil. Da imagem desse verso tomam a sua atitude as protagonistas, mulheres como a noite, desta série e de outra relacionada à mesma, a das Idiotas. Também a paleta responde à cor simbólica da noite, o azul e os branco-prateados da luz lunar. Crepúsculo do dia, crepúsculo da vida, as obras aludem a uma indiferença existencial que o pintor encarna em seres abatidos que sorriem com a ingenuidade do primeiro dia do mundo. No seu sorriso não está a sabedoria da noite, mas com o gesto impávido do alienado.
A matéria tornou-se aquosa, delgada. As figuras se desenham e apagam sobre fundos densos, como palimpsestos, abrumados de antigos traços de bicicletas, carretéis, manequins: os símbolos de Iberê. Em Tudo te é falso e inútil IV, 1992, a Idiota contempla a forma com que os carretéis caem da mesa, e sorri indolente.”


HERRERA, María José. Iberê Camargo: um ensaio visual. Porto Alegre: Fundação Iberê Camargo, 2009. p. 18-19.

 

“[…] Na pintura [Tudo te é falso e inútil IV], que consideramos uma síntese de sua trajetória, temos a paisagem fundadora de sua obra, um lugar indiscernível como fundo da tela, mas com a presença inquestionável de um astro avermelhado; a figura monumental e impositiva, que sempre esteve presente (mas nem sempre visível) e, finalmente, uma natureza-morta, uma mesa com objetos. Mas é uma mesa impossível, sobre a qual vários carretéis lutam para permanecerem estáveis. Uma natureza-morta dinâmica, a negação da própria natureza do gênero, marcada pela estabilidade e pela imobilidade. Uma natureza-morta inquietante, observada por um espectador impassível e inerte, renitente nos seus braços imóveis e indiferente ao meio dinâmico, interior e exterior simultâneos, que o envolve.”

GOMES, Paulo. Iberê e seu ateliê: as coisas, as pessoas e os lugares. Fundação Iberê Camargo: Porto Alegre, 2015. p. 64.