Tudo te é falso e inútil II, 1992
óleo sobre tela
200 x 236 cm
Acervo Fundação Iberê

Tombo P063

Foto © Fundação Iberê

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“[…] Nos seus últimos trabalhos ressoa como nunca o bordão da derrota, mas de maneira diferente. Refiro-me à produção do final da década de 1980, até a última obra, chamada Solidão. É talvez o momento mais alto da sua pintura e um dos melhores da pintura brasileira, trabalhos ainda não de todo compreendidos e assimilados. Atrás de uma gravidade perplexa, gravam um travo que nos desconcerta ainda. Parecem ser sempre mais fortes que o nosso olhar. O criador se imiscuiu nas criaturas, figuras colocadas agora em um ponto terminal, sarcasticamente metafísico. Se lembrei Fernando Pessoa, anteriormente, como horizonte poético próximo, esses últimos trabalhos evocariam Samuel Beckett. O passado agora parece rir de si mesmo com um esgar idiotizado, na trágica avaliação de sua inutilidade. O artista que Iberê inventou para si está lá, agora dentro do quadro, olhando para seus temas e motivos – o homem e a pintura – e parecendo perguntar: qual o sentido de tudo isso? E a resposta estava já no título: Tudo te é falso e inútil. A luz em que esses seres estão imersos também é paradoxal. Não sabemos se começa a iluminar a noite ou a ensombrecer o dia […].”

PASTA, Paulo; SALZSTEIN, Sônia (org.). Diálogos com Iberê Camargo. São Paulo: Cosac Naify, 2003. p. 119-120.

 

“Ticiano, em seu Suplício de Mársias, ‘demonstrava saber aquilo a que teria se reduzido a pintura moderna: a dissecação é o elemento crucial para o sucesso da pintura’. Articular figura e fundo, enfrentando a opacidade do suporte, seria, sempre, fazer ato de violência?
A dissecação, no caso das Ciclistas de Iberê, ou de suas Fantasmagorias, assim como nos corpos das mulheres de Jean Dubuffet e Willem De Kooning, corresponderia então à própria exibição dos processos pictóricos, e de toda a dificuldade moderna com a figura. A consciência da opacidade do suporte, a declaração moderna dos meios pictóricos, restringiriam assim o ‘espaço’ habitado pela figura. Como escreve Gilbert Lascault a propósito das mulheres de Dubuffet e De Kooning, ‘o que está em perigo, aqui, é a figura, tal como é representada, mas igualmente a pintura, tal como ela age e tal como se define’.”
[…]
“Em A ursa (1950), de Jean Dubuffet, como em Tudo te é falso e inútil II (1992), de Iberê Camargo, corpos de mulheres têm o aspecto ‘de uma pele esticada sobre o dorso da superfície’. Os corpos tendem a abraçar a superfície da tela, participam da mesma ‘massa’ que faz a pintura, do ‘fundo materiológico’, informe, sempre mutável, trêmulo. As figuram experimentam os limites da forma, apenas vibram, em estado de formação.”

COTRIM, Cecília; SALZSTEIN, Sônia (org.). Diálogos com Iberê Camargo. São Paulo: Cosac Naify, 2003. p. 142-144.