Crepúsculo da Restinga Seca, 1993
óleo sobre tela
65 x 92 cm
Acervo Fundação Iberê
Tombo P069
Foto © Fundação Iberê
“[…] O clima de meus quadros vem da solidão da campanha, do campo, onde fui guri e adolescente. Na velhice, perde-se a nitidez da visão e se aguça a do espírito.
[…] Essa decantação da forma em muitas águas, tanto nas palavras como nas linhas, na pintura, é uma depuração, uma síntese que leva ao que eu chamo uma ‘transfiguração’ situada além da aparência. Importante é encontrar a magia que existe nas coisas, na vida. Do contrário, seria apenas um testemunho visual de um fenômeno ao alcance de qualquer um.
Não há um ideal de uma beleza, mas o ideal de uma verdade pungente e sofrida que é a minha vida, e tua vida, é nossa vida, nesse caminhar no mundo.
Sou impiedoso e crítico com minha obra. Não há espaço para alegria. Acho que toda grande obra tem raízes no sofrimento. A minha nasce da dor. […]”
CAMARGO, Iberê; MASSI, Augusto (org.). Gaveta dos guardados: Iberê Camargo. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 30-31.
“Convém lembrar que as pinturas produzidas alguns anos antes da morte de Iberê, nas quais não há mais do que vestígios remotos dos carretéis, num cenário de enrijecimento e cessação do dinamismo e da energia que se poderia associar a eles – Tudo te é falso e inútil V e Crepúsculo da Restinga Seca, de 1993, são exemplos admiráveis – não deixam de manifestar a modalidade trágica e última do seu aparecimento. Essas telas poderiam muito bem ser vistas, aliás, como a transfiguração final, perplexa e extremada, daquelas primeiras pinturas e gravuras de carretéis que o artista dispunha em torre num tênue plano frontal sobre pequenas mesas, e que realizavam um balanço sutil entre a quietude e o desastre iminente, entre os afetos de que se podem impregnar os objetos e a absoluta inumanidade com que eles também podem assomar.”
SALZSTEIN, Sônia. Ausência dos carretéis. In: ZIELINSKY, Mônica; DUARTE, Paulo Sergio; SALZSTEIN, Sônia. Moderno no limite. Porto Alegre: Fundação Iberê Camargo, 2008. p. 36-39.
“[…] Nos seus últimos trabalhos ressoa como nunca o bordão da derrota, mas de maneira diferente. Refiro-me à produção do final da década de 1980, até a última obra, chamada Solidão. É talvez o momento mais alto da sua pintura e um dos melhores da pintura brasileira, trabalhos ainda não de todo compreendidos e assimilados. Atrás de uma gravidade perplexa, gravam um travo que nos desconcerta ainda. Parecem ser sempre mais fortes que o nosso olhar. O criador se imiscuiu nas criaturas, figuras colocadas agora em um ponto terminal, sarcasticamente metafísico. Se lembrei Fernando Pessoa, anteriormente, como horizonte poético próximo, esses últimos trabalhos evocariam Samuel Beckett. O passado agora parece rir de si mesmo com um esgar idiotizado, na trágica avaliação de sua inutilidade. O artista que Iberê inventou para si está lá, agora dentro do quadro, olhando para seus temas e motivos – o homem e a pintura – e parecendo perguntar: qual o sentido de tudo isso? […] A luz em que esses seres estão imersos também é paradoxal. Não sabemos se começa a iluminar a noite ou a ensombrecer o dia […].”
PASTA, Paulo; SALZSTEIN, Sônia (org.). Diálogos com Iberê Camargo. São Paulo: Cosac Naify, 2003. pp. 119-120.