Série Ciclistas, 1990
óleo sobre tela
159 x 185 cm
Acervo Fundação Iberê

Tombo P168

Foto © Fabio Del Re_VivaFoto

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“A tela da série Ciclistas (1990) é a síntese temática e formal, a um só tempo, deste bloco. Como tema, a paisagem deixou seus traços identitários e se tornou fundo, mas um fundo que é, ao mesmo tempo, forma. O fundo indefinido corresponde a uma imprecisão metafísica, a impossibilidade de definir o lugar onde o ser humano se coloca. Onde ele está? Dentro de si, sem a referência ao externo e enfatizando o interno. Essa tela, como de resto a grande maioria das obras do período final da trajetória do artista, justapõe elementos diversos, que foram trabalhados individualmente ao longo de sua carreira. Aqui está presente a figura humana, um ciclista, oriundo da série de mesmo nome e a paisagem, objeto de suas primeiras investigações pictóricas e o tema fundador de sua poética.
A associação não é fortuita: trata-se da unificação de dois temas caros ao artista, a figura e a paisagem, na busca da expressão mais precisa de suas inquietações. Do ponto de vista formal a pintura apresenta uma fatura rala no tratamento do fundo, apesar da visível sobreposição de muitas camadas que lhe dão densidade, como registrou Blanca Brites, ao escrever: ‘Quem o observava pintando, presenciava que em cada pintura acumulava-se uma sucessão de outras tantas, como obras ‘acabadas’, que se desfaziam continuamente sob a nova pincelada, sem que aparentemente, nada restasse dessas etapas na obra finalizada’.
A profundidade é mais indicada do que apresentada, abrindo um espaço plano que deixa a figura do ciclista aparentemente na superfície da pintura. A figura recebe um tratamento diferenciado do fundo, pois sua fatura é mais densa e espessa, conseguida a partir da aplicação de tinta quase pura e da ênfase nos grafismos que a definem, recurso oriundo dos desenhos e das gravuras, mas também da série das Fantasmagorias. Mas é uma materialidade enganosa, pois se a figura está nítida e praticamente visível em toda a sua extensão, a bicicleta, o veículo que a transporta se funde na paisagem, deixando-a como uma aparição, uma figura imprecisa e meio fantasmática, resultado da ampla veladura aplicada pelo artista. Como entender essa dualidade entre nitidez e indeterminação? Não há um lugar definido para ambos os elementos, ciclista e paisagem, tudo se funde no todo da pintura.”

GOMES, Paulo. Iberê e seu ateliê: as coisas, as pessoas e os lugares. Fundação Iberê Camargo: Porto Alegre, 2015. p. 132.