Quem é o gaúcho por trás da Calvin Klein

Roberta Amaral
24.out.19

“Para fazer moda tem que gostar de arte. É preciso entender as formas, suas conexões com o mundo real e ter sentimento para representá-la no produto. O processo criativo também é uma arte para compreender o cliente e conectar-se com seus desejos e sentimentos.”

Fernando Belmonte

Itaqui é um município com pouco mais de 38 mil habitantes, localizado na fronteira com a Argentina e a 616 quilômetros de Porto Alegre. Seu nome tem origem na língua Guarani e significa “pedra macia boa para afiar”, e, não à toa, uma das qualidades de seu filho Fernando Belmonte, vice-presidente de Produto da Calvin Klein.

Fernando assumiu o desafio no segundo semestre de 2018, trabalhando para o designer Raf Simons, que acabou saindo oito meses antes de seu contrato terminar por não trazer o retorno esperado pela PVH Corporation, uma das maiores empresas de vestuário que possui e comercializa as icônicas marcas CK e Tommy Hilfinger em âmbito mundial. A leitura dos executivos foi de que o consumidor médio da marca não conseguiu se conectar à proposta mais conceitual de Raf para as demais linhas comerciais de jeans e underwear, responsáveis pelo maior faturamento da marca que, atualmente, gira em torno de US$ 9 bilhões ao ano.

No início de março, a CK anunciou o fechamento da sua linha de alta moda para se concentrar na moda de alto consumo. Agora, Fernando assume a mudança de rumo estratégica e a troca do nome de sua marca Calvin Klein 205W39NYC, com o fechamento da emblemática loja na avenida Madison, em Manhattan.

Salto para NY
Um artista com traços finos e elegantes, Fernando Belmonte mudou-se para Porto Alegre com o sonho de ser designer de moda. Recém-chegado à Capital, mandou seus desenhos para Xico Gonçalves, e, aos 17 anos, tornou-se estilista da badalada grife X&C.

Pouco tempo depois, inquieto, arriscou-se em um concurso para trabalhar no Atelier Rui Sphor e foi um dos três selecionados. “Foi um ato de ousadia que deu certo. Eu, que mal viera de Itaqui, entrei com outros dois jovens que haviam estudado moda no exterior”, recorda.

Depois da experiência com os maiores estilistas dos anos 80 e 90, Fernando criou a própria grife, que levava seu nome, e foi escolhido por Célia Ribeiro o Designer do Ano. Mais uma vez, fechou sua loja e voltou a trabalhar com Rui que, na época, queria “rejuvenescer” a marca.

Além de influenciar o gosto de Fernando Belmonte pela arte, Rui Sphor enxergou naquele menino de Itaqui um potencial de criatividade, desenvoltura, liderança e gestão. A partir desse momento, ele deixou as linhas e os traços de lado, coordenou a reforma do atelier, assinada pelo arquiteto Marcos Noronha, reformulou a grife, ajudou a aumentar o faturamento e seguiu o conselho de Rui e Doris: o Brasil estava pequeno demais para seu potencial.

Chegando a NY, matriculou-se num curso de inglês e também de Moulage e História da Moda, na Parsons The New School of Fashion, a faculdade “Número 1” de moda dos EUA, que tem entre seus alunos estilistas como Donna Karan, Marc Jacobs, Tom Ford e Narciso Rodriguez. Além de aprender, Fernando precisava do visto para permanecer e crescer profissionalmente naquele país.

Foi então que, um dia, dois brasileiros conversavam no elevador da Parsons sobre um estágio não remunerado para os desfiles de moda de NY que aconteceriam dali um mês. Fernando candidatou-se à vaga, foi selecionado e trabalhou como auxiliar de um modelista da Jill Stuart, até ser chamado para a FIT – Fashion Institute of Technology.

Nessa época, a Jill Stuart havia fechado um contrato milionário com o Japão, e o dono da marca disse que Fernando não precisava estudar para ganhar o visto; ele mesmo providenciaria para continuar trabalhando. “As portas estão à nossa frente, basta entrar sem medo e saber o que fazer e fazer bem feito. Tem muita gente talentosa que não enxerga as oportunidades, porque, realmente, o mundo da moda é trabalho, principalmente num país que não é o seu. Não existe nenhum glamour. São quase 20 horas de trabalho por dia sem reclamar.”

Reposicionamento de sucesso grifes Coach e Halston
O primeiro trabalho de Fernando como diretor de Produto de uma grande marca foi na Coach. Foram cinco anos trabalhando diretamente com o estilista americano Reed Krakoff que, atualmente, ocupa o mesmo cargo na tradicional Tiffany & Co., nas linhas de luxo para viagens, coleções de acessórios da joalheria e em decisões relacionadas ao merchandising e o marketing da empresa.

Da Coach, Fernando foi para a Halston. A marca criada pelo estilista Roy Halston Frowick fez sucesso na década de 60, vestindo famosas como Liza Minelli e Elizabeth Taylor, além da primeira-dama Jacqueline Kennedy. Mas começou a perder espaço no mercado norte-americano com a venda para o grupo Norton Simon Industries e posterior demissão de seu criador, que levava uma vida marcada por excessos de álcool, drogas e festas.

A Halston só voltou à cena fashionista em 2008, impulsionada por nomes como a stylist Rachel Zoe. Nos últimos anos, apareceu com frequência em tapetes vermelhos importantes e no figurino de filmes como “Sex and the City 2”, estrelado e produzido por Sarah Jessica Parker. Nesse mesmo ano, o gaúcho emplacou um golaço com Madonna: a cantora foi capa da Elle francesa, vestindo uma malha da grife.

Revolução Cultural
Para Fernando Belmonte, não existe mais o “ser criador”, como foram Christian Dior e Pierre Cardin, que, nos anos 50 e 60, tinham ideias brilhantes e tudo girava em torno deles. Moda é um negócio bilionário, principalmente nos EUA, o país dos sonhos dos designers do mundo inteiro.

É urgente um movimento de “resgate de público-alvo”, inovando e criando novos produtos ou adicionando aos antigos características exclusivas. A ideia é alçar a modernidade com coisas novas, sem perder a tradição. Os ricos não querem mais ostentar. Os Millennials, a geração que corresponde à faixa etária de 18 a 34 anos, representam uma parcela significativa das grandes marcas. O maior desafio é reinventar-se mantendo o padrão e no topo das grandes marcas.

Muitas lojas estão fechando suas portas porque as pessoas não estão mais dispostas a passar horas em loja. A tecnologia permite que elas sejam únicas, com atendimento e modelos personalizados. A linha de luxo Calvin Klein 205W39NYC (antiga Calvin Klein Collection, rebatizada por Simons) e a icônica flagship da label na Madison Avenue, em Nova York, com interior repaginado pelo artista americano Sterling Ruby em 2017, fecharam em fevereiro e abril.

“Estar na Calvin Klein e sentar com o CEO da empresa, Steve Shiffman, é uma das minhas maiores escolas. É acompanhar a evolução da empresa, interconectando todas as linhas da marca e amplificando cada uma de suas experiências. É perceber que a marca está viva, interagindo com outros públicos e caminhando lado a lado com as novas tecnologias”, diz Fernando.