Um pedacinho do universo de Clarice Lispector na Fundação Iberê

30.jul.20

Uma das escritoras mais importantes da literatura brasileira, que completaria 100 anos no dia 10 de dezembro, também pintava. “Quem sabe escrevo por não saber pintar?”, dizia. Suas obras integram o acervo da Fundação Casa de Rui Barbosa e do Instituto Moreira Sales (IMS).

A Fundação Iberê recebeu como doação a gravura Figura I (1973), um presente de Iberê Camargo à família de Clarice Lispector. A obra passa a integrar o acervo da instituição no ano do centenário de nascimento da escritora (10 de dezembro de 1920) e, também, dos seus 43 anos de morte (9 de dezembro de 1977). Além de ser um dos nos nomes mais importantes da literatura brasileira, Clarice tinha nas artes uma de suas grandes paixões. “Quem sabe escrevo por não saber pintar?”, dizia. 

Em meados da década de 1970, ela pintou 22 quadros que, atualmente, integram o acervo da Fundação Casa de Rui Barbosa e do Instituto Moreira Sales (IMS) e estão reproduzidos no livro Clarice Lispector – Pinturas (Rocco), do português Carlos Mendes de Sousa, um dos maiores especialistas do mundo na obra da escritora. O autor apresenta a existência de dois movimentos em relação às pinturas: a fuga e a concentração e as linhas em desordem, mostradas por tensões frequentes em suas telas, como se a escritora-pintora estivesse em jogo de espelhamento, aproximando seus traços de pintura aos traços da escrita. 

As obras geram curiosidade, principalmente para aqueles que conhecem a escrita da autora. Os títulos também são instigantes e precisam da total entrega do espectador, como: “Escuridão e luz: centro da vida” (1975), “Cérebro adormecido” (1975), “Explosão” (1975), “Luta sangrenta pela paz” (1975), “Pássaro da liberdade” (1975), “Tentativa de ser alegre” (1975), “Medo” (1975) e “Caos, metamorfose, sem sentido” (1975).

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Assim como na escrita, na pintura a autora deixava fluir os sentimentos. Não se preocupava com acabamentos perfeitos, mas sim em extravasar o que sentia. As telas ganharam vida durante uma crise criativa, como ela mesma afirmou em entrevista: “Quanto ao fato de escrever, digo – se interessa a alguém – que estou desiludida. É que escrever não me trouxe o que eu queria, isto é, a paz (…) O que me descontrai, por incrível que pareça, é pintar. Sem ser pintora de forma alguma, e sem aprender nenhuma técnica. (…) É relaxante e ao mesmo tempo excitante mexer com cores e formas sem compromisso com coisa alguma. É a coisa mais pura que faço”. Por outro lado, Clarice fazia questão de afirmar sua incompetência técnica: “Pinto tão mal que dá gosto!”.

Entre seus artistas favoritos, Iberê Camargo. Eles se conheceram no meio artístico do Rio de Janeiro, que contava ainda com nomes como Carlos Scliar, Burle Marx, Bruno Giorgi e Aloísio Magalhães. “Eram todos vizinhos. Inclusive, Clarice escreveu diversos textos para catálogos de pintores”, recorda o filho da escritora. 

Diálogos que entraram para a história
Iberê foi um dos entrevistados do “Diálogos possíveis com Clarice Lispector”, uma seção da revista Manchete (maio de 1968 – outubro de 1969) que, além de trazer um pouco do mundo dos amigos da escritora, revelava muito sobre ela e o comportamento da época. No final de 1976, Clarice voltou às entrevistas na revista “Fatos e Fotos – Gente”, onde permaneceu até outubro do ano seguinte, dois meses antes de morrer. As conversas estão nos livros Clarice Lispector – Entrevistas (Rocco) e De corpo inteiro (Artenova).

Ela fugia de lugares comuns e perguntava desde assuntos banais a questões políticas (incluindo o feminismo), ora buscando saber como seus entrevistados responderiam às perguntas que ela mesma não sabia responder. A Iberê, Clarice pediu um conselho para novos artistas. Ele levou a pergunta tão a sério que precisou de um copo d’água para poder elaborar uma resposta. Depois de um tempo, Iberê Camargo respondeu: “Não se persuadirem de que inventaram a pintura”. Por sua vez, Clarice não se furtou de oferecer seu conselho, quando a pergunta lhe foi devolvida pelo artista: “Trabalhar, trabalhar, trabalhar”. 


Figura I, 1973
Água-tinta (processo do açúcar) e água-forte
49,7 x 29,6 cm
Acervo Fundação Iberê, doação anônima no contexto da exposição ‘Iberê Camargo – O Fio de Ariadne’, 2020

Clarice Lispector, uma das mulheres que marcaram a trajetória de Iberê Camargo, ganhará espaço na timeline da exposição “O Fio de Ariadne”. Mais informações sobre a mostra, aqui.

Para ler a entrevista de Iberê à Clarice, clique aqui.