Vania Toledo, a fotógrafa que retratou almas com a beleza da arte e com a luz da generosidade humana

16.jul.20

Mineira radicada em São Paulo deixa como legado o seu olhar corajoso e poético sobre artistas que foram símbolos da noite, da sexualidade e da liberdade no Brasil

“Meu vício é gente. Gente atuante, libertária, gente que produz e faz arte, que gosta de viver como eu. Por isso ou por aquilo, sempre fotografei pessoas assim, com esse perfil”, declarou Vania Toledo em 2018, na abertura da exposição “Tarja Preta”, em São Paulo. Ela faleceu na madrugada desta quinta-feira (16), aos 72 anos, após complicações causadas por uma infecção urinária.

Para Emilio Kalil, diretor-superintendente da Fundação Iberê e amigo de longa data, “Vania é uma das grandes memórias da cena cultural e dos mais badalados eventos sociais do eixo Rio/São Paulo. Ela não era apenas fotógrafa, ela era amiga de todos”.

chevron-right chevron-left

Nascida na cidade mineira de Paracatu, Vania Toledo mudou-se para a capital paulista em 1961 para estudar Ciências Sociais. De fotógrafa amadora a ícone do registro noturno, não só conseguiu entrar no Studio 54, em Nova York, como também clicar o pai da pop art e outros figurões da época, como Truman Capote. No Brasil, o seu clique em festas dos anos 1970, 1980, 1990 congelou, com seu flash estourado, a efervescência dos clubes paulistanos. Colaborou ainda com várias publicações, entre elas revistas Vogue, Claudia, Veja e IstoÉ e internacionais como Time, Life e Connaiseur.

Na década de 80, revelou-se uma profissional ousada. Apaixonada pelas artes, sua história ficará para sempre marcada nas fotografias de palco e bastidores do teatro e de diversas capas de livros e discos, como “Sujeito estranho”, lançado em 1980 por Ney Matogrosso, e o álbum “Bossa’n’roll”, de Rita Lee (1991).

Vania Toledo registrou com sua câmera desde a passagem do autor espanhol Fernando Arrabal pelo Brasil, na época da montagem de “Cemitério de Automóveis” (1968), até o musical “Tom e Vinicius” (2008), passando por importantes encenações, como “O Balcão” (1969), “Macunaíma” (1978), “Hair” (1968), “Fala baixo senão eu grito” (1969), “O Mistério de Irmã Vap” (1988) e “A vida é sonho” (1991), entre muitas outras. Ela também lançou dois livros de retratos: “Homens” (1980) – fotografias de 34 homens nus, anônimos e famosos, como Caetano Veloso, Nuno Leal Maia, Walter Franco, Roberto de Carvalho e Ney Matogrosso – e “Personagens Femininos” (1992).

Tanto o livro quanto a exposição “Personagens Femininos” lhe renderam os prêmios Excelência Gráfica (concedido pela Associação Brasileira de Técnicos Gráficos) e o de Melhor Exposição do Ano de 1993 (concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte). A fotógrafa pediu a 54 atrizes que vivessem por um dia uma personagem que nunca haviam representado. Produziu a série em dois momentos: em 1984 e 1991. No livro aparecem mulheres, como Fernanda Montenegro, Marília Pêra, Marieta Severo, Regina Casé, Giulia Gam, Vera Fischer, Glória Pires, Nicete Bruno, Zezé Motta, Beatriz Segall, Regina Duarte e Beth Goulart.

“Sempre fui muito ligada ao teatro, foi o teatro que me ensinou a fotografar. Eu pensei: ‘uma atriz que sobe no palco, ela pode tudo. Ela pode ser quem ela quiser, do jeito que ela quiser!’. Resolvi testar essa liberdade de comportamento e raciocínio feminino. Foram muitas conversas com ícones do teatro como Norma Bengel, Dina Sfat, Fernanda Montenegro. A confiabilidade delas comigo foi uma coisa absolutamente enriquecedora pra mim”, disse na época.