Assombrações: um diálogo pictórico com Iberê Camargo
Curadoria
Rodrigo Andrade
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27.ago
09.abr.23
Esta exposição é resultado de uma experiência que pretende, ao mesmo tempo, ser uma homenagem a um mestre que teve significativa influência no meu trabalho nas décadas de 1980 e 1990, e uma releitura crítica de sua obra, aprofundando meu entendimento dela e absorvendo seus modos de pintar, expandindo, assim, meu próprio repertório pictórico. Ao fazer versões de suas pinturas – especialmente as últimas, as mais fantasmagóricas – deparei-me com uma poderosa força gravitacional que poderia me engolir. Precisei me diferenciar ao mesmo tempo em que mimetizava as pinturas de Iberê, onde a tinta a óleo é revolvida obsessivamente, as cores misturadas quase convulsivamente até se parecerem poças de lama primordial de onde surgiam os fantasmas do seu passado.
Iberê é um clássico artista moderno brasileiro, que rompeu com o academicismo, mas resistia a certos dogmas do modernismo e tinha nostalgia não só do seu passado, mas da própria pintura como expressão humanista de uma tradição que já estava em decomposição frente à cultura de massas e à complexidade problemática da arte em geral. Mas Iberê, que tinha uma consciência trágica de seu tempo, ao invés de pintar simplesmente conforme essa tradição, pintava, sobretudo no fim da vida, o drama de sua dissolução, pintava todo o seu pessimismo e desespero, pintava a própria morte da pintura! Então, paradoxalmente, seu “passadismo” ganhou uma surpreendente contemporaneidade, conectando-se com a geração que surgiu nos anos 1980 com a volta da pintura sob rótulos como transvanguarda e neoexpressionismo.
Mas se essa então nova geração de pintores, a qual pertenço, tinha na tão falada “morte da pintura” e na história da arte muitos dos seus motivos, num retorno que só podia acontecer e se renovar justamente como luto, tinha também a cultura pop, que tratava de conciliar com a alta tradição pictórica ocidental, abrindo, assim, um campo de descobertas e libertação. Já para o existencialista Iberê, então no fim da vida, a morte da pintura era puramente trágica. Um pouco dessa diferença e dessa conexão pode se ver com a minha retrospectiva no 3º andar da Fundação, “Pintura e Matéria”.
Rodrigo Andrade
Imagem: Rodrigo Andrade. Solidão, a partir de Iberê Camargo, 2022. Foto © Eduardo Ortega
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